HORA DA VERDADE
Renesmee entrou na sala, o olhar vasculhando cada canto com curiosidade. Quando me viu, abriu um sorriso meigo, daqueles que ela costumava dar antes de toda essa história de “amor” começar. Essa reação me surpreendeu, já que eu esperava que ela ainda fosse manter aquela atitude reservada e fria.
– Venha falar com Jake, querida – Bella se mantinha do meu lado, uma mão pousada de leve em minhas costas – ele está com muitas saudades suas.
Sua investida na minha direção foi instantânea. Ela correu e se atirou em mim, seus cachos cheirosos cobrindo parcialmente o meu rosto. Quase não fui capaz de colocar meus braços em volta dela. Eu estava em choque. Aquilo foi inesperado demais e eu não consegui disfarçar a surpresa quando ela se afastou para me falar:
– Oi Jake! Sentiu minha falta, não foi?! Eu também senti saudades! – sua voz natural como se nem tivéssemos nos separado.
Hã?! O que estava acontecendo ali?! Será que eu havia batido com a cabeça de novo e, dessa vez, perdido a memória?! Sua mudança foi perceptível a todos e cada um observava nossa cena com uma expressão diferente. Não era para as coisas estarem acontecendo desse jeito, tão... descontraídas. Eu deveria ter sido invadido por aquela atitude confiante outra vez e assumido o controle da situação. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário... Meu corpo completamente imóvel não reagia diante da proximidade dela. Eu me retesei mais ainda, quando a sensação elétrica percorreu meu corpo com seu toque. Ela permaneceu na minha frente, me encarando como se não entendesse o porquê de minha inércia. Após um longo minuto, eu consegui pronunciar alguma coisa:
– C-Claro que senti, Nessie! Vocês ficaram fora por duas semanas... – o rubor se espalhando em meu rosto enquanto eu gaguejei
– É, eu sei... – ela se divertiu com a situação. Meu cérebro ainda tentava fazer as conexões dos neurônios corretamente – Mas aqui estamos nós outra vez, sãos e salvos, logicamente. Você devia saber que não havia motivos para se preocupar, seu bobo!
Engoli em seco suas palavras. Precisava me concentrar, parar de agir com imaturidade... E encarar os fatos que se apresentavam diante de mim. Nessie estava visivelmente bem. Suas atitudes estavam estranhas, mas isso era apenas uma questão de perspectiva. Ela tinha voltado a agir normalmente, só isso. Não deveria ser uma coisa tão absurda assim...
Mas era! E eu não fui o único a estranhar sua atitude. Bella a encarava, com uma sobrancelha erguida em desconfiança. Alice pareceu desapontada. Jasper e Emmett reprimiam o riso (isso não era uma coisa incomum, mas naquelas circunstâncias deveria significar alguma coisa...). Edward deu um suspiro de impaciência e se dirigiu até as escadas novamente, indo descarregar as bagagens no andar de cima. Esme e Carlisle olharam um para o outro, depois também saíram de cena. Rosalie foi apenas... Rosalie! Tomei um fôlego, depois tentei relaxar os músculos.
– Imagina, Nessie, eu não estava preocupado. Sabia que vocês estavam bem! É só que, bom... Vocês nunca haviam ficado fora tanto tempo e... eu nem pude me despedir... – desculpas, desculpas, desculpas... Não conseguiria fazer mais que isso... Ela não pareceu perceber minha tensão.
– Está bem! Venha, eu tenho um milhão de coisas para te contar – disse isso, então me arrastou para o sofá. Bella nos deixou sozinhos, acompanhando os outros, que também se dirigiram de volta às suas atividades.“Um milhão de coisas para te contar” não era bem uma frase que combinava com Renesmee. Geralmente, ela nunca falava mais do que o necessário e, quando tinha muito a dizer, o fazia através das mãos. Esse distúrbio de comportamento ainda permanecia inalterado.
Ela me contou, literalmente, um milhão de coisas! Falou sobre o Alaska ser o lugar mais isolado do planeta... Relembrou um dia em que todos foram fazer uma pescaria no gelo... Deu risada ao comentar que Bella era uma negação como pescadora e que Edward teve que ser muito paciente para lhe ensinar como prender a isca no anzol, sem destruí-lo... Mencionou também que não gostou de comer peixe, nem tão pouco que seu sangue era agradável. Entre uma lembrança e outra, ela ria sozinha, seu rosto corando com a empolgação. Eu não consegui pronunciar nada, ela não me abria brechas para falar. Então apenas me perdi em pensamentos, sua voz distante ao fundo da mente.
O que significava aquele comportamento?! Eu queria simplesmente invadir sua cabeça atrás de respostas. Em seus gestos e seu modo de falar não havia nada além de uma pura satisfação com o reencontro de seu melhor amigo. Mas, e quanto ao que aconteceu há pouco mais de duas semanas atrás?! Ela não poderia ter superado aquele momento com tanta facilidade... Poderia?! Será que o problema estava comigo, e não com ela?! Eu provavelmente tinha dado importância demais àquela situação... sim, só podia ser isso! Todo aquele sofrimento, toda aquela ansiedade, todo aquele desespero... foram em vão. Tudo não havia passado de um mal entendido.
Senti vergonha por ter sido tão apressado. Ainda não era a hora, ela não estava pronta para o próximo passo. Possivelmente um dia estaria, mas não agora. Não naquele minuto. Por enquanto, ela só precisava de um amigo. De seu melhor amigo.
Pouco a pouco eu fui me resignando. Comecei a retribuir a atenção que ela me dispensava com uma naturalidade forçada. Até sorria, quando me contava algo que na sua opinião era engraçado. Depois de esgotadas as novidades, ela me arrastou até o andar de cima, onde estavam as malas. Parecia ter algo para me entregar, uma lembrancinha de viagem. Paramos no corredor, onde a bagagem estava encostada, e ela vasculhou uma de suas sacolas, retirando em seguida um pequeno embrulho azul.
– Toma Jake! Nós fomos à cidade um dia e passamos por uma lojinha de antiguidades maravilhosa. Espero que você goste, por que a mamãe disse que era a sua cara! – ela me entregou o presente, sem disfarçar a ansiedade. Eu procurei parecer o mais contente possível e a satisfiz, rasgando delicadamente o embrulho. Um relicário se enroscou entre meus dedos, quase indo direto ao chão, tamanha a minha dificuldade em me concentrar. Era um medalhão prateado e robusto, mas não muito extravagante. Olhei de perto e notei a figura de um lobo e um sol em relevo. Era lindo e parecia muito valioso. Olhei para ela, minha expressão provavelmente desconcertada, e lhe agradeci:
– É maravilhoso, Nessie! Sem dúvida é a minha cara... Mas você não precisava ter se incomodado! Nem sei se devo aceitar...
– Não foi incomodo nenhum – ela franziu a testa, rabugenta. Depois seu sorriso reassumiu o posto – Eu achei que você iria gostar e queria que você se sentisse incluído em nossa viagem. Você é meu melhor amigo e nunca deixará de sê-lo. Deixe de bobagens e aceite logo esse presente!
Sua mensagem foi sutil, mas clara: eu nunca deixaria de ser seu melhor amigo. Ponto. Não haviam vírgulas, nem parênteses, nem reticências. Nenhum espaço para brechas. Eu seria sempre seu melhor amigo, nada mais.
Não tive competência nem para lhe dar um sorriso direito, depois dessa. Foi como uma facada atravessando lentamente o peito, a lâmina gelada inflamando o interior do corpo. Como agir agora?! O que fazer com a avalanche de sentimentos que desmoronava dentro de mim?! Será que eu seria capaz de esquecer tão facilmente as últimas semanas da minha vida, como ela havia conseguido?! Eu tinha certeza que não... e já previa a tormenta que se aproximava de mim. Busquei o foco novamente!
Se eu não conseguisse naturalmente, seria à força então. Não tinha outro jeito. Não iria impor minhas intenções em detrimento das dela, por mais que a renuncia fosse me causar tanto dano... Um ultimato naquele momento só poria tudo a perder!
– Ei, Jake, você está aí?! – ela estalou os dedos e eu acordei do transe – Está tudo bem?!
“Bem”...Essa palavra já havia perdido o sentido para mim
– Hum... Claro, claro que sim! Por que não estaria?! – depois de um tempo, eu procuraria um curso de teatro, por que minha atuação era ridícula, não convencia ninguém
– Não sei, me diga você?! Desde que eu cheguei, você mal abriu a boca... Está sentindo alguma coisa?!
Estava sentindo muitas coisas. Coisas que eu queria contar pra ela, mas já não podia. Sacudi a cabeça negativamente e dei um sorriso fraco. Ela vacilou um pouco, mas depois sorriu de volta, me pegando pelo braço outra vez.
– Vamos lá pra baixo! Quero que você me conte como foi a “sua” semana... – ela quase saltitava, enquanto íamos de volta ao andar de baixo. Me fez um monte de perguntas no caminho, que eu respondi sem muitos detalhes, claro. Quando chegamos finalmente na sala, Edward e Bella já estavam no sofá conversando relaxados. Nessie hesitou de início, mas depois me conduziu até o carpete, onde indicou que eu me sentasse. Obedeci e ela fez o mesmo, ficando recostada nas pernas de Bella, de frente para mim. Não parou mais de falar. Arranjou tanto assunto e fez tantos questionamentos que parecia uma relações-públicas em meio a uma conferência de artistas.
Quando se cansou de inventar novos tópicos, foi atrás de uma prancheta e canetas para desenhar. Eu nem me movi, parecia um morto-vivo. Ela não demorou a retornar e se sentou no mesmo lugar, agora entretida demais para notar minha cara de peixe morto. Passamos uma hora inteira naquele marasmo: O casal absorvido em ternuras, Nessie desenhando e amassando os desenhos... e eu, completamente teso.
Foi aí que, inexplicavelmente, Edward sentiu ganas de guerra. Ele se recostou no sofá e sua cara ficou sarcástica. Ninguém poderia ter previsto a próxima cena, nem mesmo uma vidente...
– Nessie, minha linda – ela parou imediatamente de desenhar e se virou para ele – Jake alguma vez chegou a te contar sobre a época em que você ainda não era nascida?!
– Nunca! – sua resposta foi como ele queria, curiosa...
– Ah, Jacob – ele se virou pra mim dessa vez, me encarando com um pesar estupidamente cínico – que coisa feia! Era uma época tão divertida... Como você não contou a ela?!
Se eu já estava tenso antes, agora então... O assunto escolhido não poderia ser mais absurdo! Bella ficou estática. Acho que ela sentiu o cheiro do perigo, mas não pode agir antes de ter certeza. Era mais fácil crer que ele não faria uma coisa daquelas!
Era tarde... ele se aconchegou no sofá para continuar:
– Muito bem. Deixe que eu faça as honras, então!
– Meu amor, você acha uma boa idéia?! Não quer deixar esse assunto pra depois? – sua tentativa foi frustrada pelo protesto de Nessie
– Ah mãe! Deixa ele falar... Agora eu já estou curiosa!
Nessa hora, Alice e Jasper estavam vindo da cozinha e eu pude ver que ele notou a variação estranha nos ânimos. Os dois se achegaram para observar e Edward instigou a aproximação.
– Ah, Alice, venha aqui. Você adora essa história! A de quando Bella e eu conhecemos Jacob!
– Eu adoro...?! – Ela pareceu confusa, mas ao mesmo tempo curiosa, assim como a sobrinha.
Eu estava pasmo. Ele ia mesmo fazer aquilo!
– Vejamos... – ele olhou para o canto dos olhos. Até parece que havia se esquecido... – Bem, quando eu e sua mãe nós conhecemos, foi amor à primeira vista... de certo modo. Só que Bella nunca foi uma pessoa comum em Forks... Ela era muito popular e fazia amizades facilmente com todo mundo que aparecia... uma dessas amizades foi o nosso Jacob aqui!
Nessie olhou pra mim com uma carinha contente. Meu Deus, eu queria enfiar uma rolha na garganta daquele...
– Eles dois eram melhores amigos, e Bella sempre mencionava o quanto Jake era uma pessoa querida. Ele até ensinou sua mãe a andar de moto, acredita?!
– Sério?! Ele nunca me deixou sequer encostar na moto dele... – ela me olhou de soslaio dessa vez, com um sorriso malicioso
– Sério! Eu aceitava bem a amizade deles, mas as coisas começaram a pegar... Bella se machucava muito com Jake, todo dia uma pereba nova! Dificultava bastante as coisas pra mim, mas sem problemas graves até aí. Então o tempo foi se passando e os laços foram se fortalecendo... Ora, vejam bem, ninguém aqui pode culpar uma pessoa por se apaixonar por outra, ainda mais em se tratando de Bella. Convenhamos, ela era uma visão... Mas eu nunca achei que um dia eu e Jake seriamos tão amigos como somos hoje!
– Por que não, pai?! – a voz de Renesmee se exaltou
– Eu descobri que ele estava completamente apaixonado por sua mãe, Nessie!
A tensão que se instalou com a pronuncia dessa frase era tão densa que dava até pra cortar com uma faca. Todos olhavam incrédulos para Edward, que estava totalmente à vontade, indiferente ao nosso choque. Renesmee tinha agora uma expressão indecifrável.
– Pode acreditar! Eu me irei, pensei até em dar uma boa surra nele no começo... Mas depois eu vi que teria que ceder, ser compreensivo. Ele era jovem, iria ver que era uma situação sem cabimento... Teve até aquela vez, se lembra meu bem, – ele estava irritantemente descontraído – em que você quebrou a mão quando tentou dar um soco na cara dele?!?! Nossa, foi tão hilário que eu até me esqueci do motivo...
– Qual motivo?! – a voz de Nessie agora já estava uma oitava acima, os olhos arregalados. Ele parou de rir, e concretizou seu intento maligno
– Sua mãe deu um soco nele por que ele roubou um beijo dela. Ele estava completamente disposto a tirá-la de mim. Acho que depois ele a beijou uma segunda vez, mas eu não tenho certeza... Enfim, era uma paixão sem remédio! Bella tentou persuadi-lo a desistir, mas ele já estava determinado. E quando Jacob Black se determinava a algo, não poupava esforços para conseguir o que queria! – ele deu uma estranha ênfase a essa parte. Meu punho se fechou, reagindo ao constrangimento – Até o dia em que eu fiz o pedido a sua mãe e nós nos casamos. Ele teve de aceitar nossa felicidade, e até o fez com classe... O tempo foi passando, Bella engravidou, e então você nasceu! Ele se encantou por você, assim como todos nós. Viu como nossa família era harmoniosa e feliz, então percebeu que tinha sido melhor daquele jeito. Acabamos virando amigos pouco depois, e estamos assim até hoje! Fim!
Qualquer um que estivesse observando a cena teria se retirado imediatamente. Era visível o desconforto geral e o ódio que emanava dos meus olhos. Eu queria estrangular aquele sanguessuga cretino de uma figa! Bella fuzilava o patife com os olhos, um misto de raiva e incredulidade. Alice alternava olhares para mim, Nessie, Bella e Jasper, inquieta com o desfecho da história e com o silêncio mortal no recinto. Jasper estava tão pasmo quanto ela, sem saber se intervinha ou se esperava para ver no que aquilo ia dar... E, finalmente, Renesmee permanecia encarando o carpete, mas olhando o vazio, a boca levemente entreaberta. O sanguessuga parecia esperar uma ovação pela conclusão de sua histórinha. Eu tinha sérias dúvidas entre chamar ele pra a briga educadamente ou partir pra cima de vez...
Uma movimentação repentina finalmente irrompeu o vácuo. Nessie se levantou depressa e saiu correndo, como uma criança que não quer ser vista chorando. Mas eu vi as lágrimas em seus olhos, antes que ela sumisse do cômodo. Alice deu um novo tapa na nuca do cretino, que estalou violentamente. Ele protestou com um grito como na primeira vez e ela fechou a cara pra ele.
– Você pensou que isso era um conto de fadas por acaso, seu banana! Ninguém aqui achou graça nenhuma!
Ele, de repente, ficou estranhamente sério e seu queixo se contraiu.
– Eu sei!
Era só isso que ele tinha a dizer? “Eu sei!”?! Ele ainda se achava no direito de falar alguma coisa... Bella fez menção de se levantar para ir atrás da filha, mas Edward a impediu, segurando-a pelo braço. Ele então se levantou e, numa atitude inesperada, se dirigiu a mim, sem me encarar de frente:
– Vamos lá pra fora, lobo!
Inacreditável, ele tomou a iniciativa do embate, pela primeira vez. Me pus de pé em um segundo.
– Edward! O que você pensa que vai fazer?! – Bella grunhiu e se interpôs entre nós
– Calma, meu amor, não se preocupe, nós vamos só conversar! – ele segurou seu rosto com leveza, os olhos fixos nos dela.
“Isso é o que nós vamos ver, seu babaca!” pensei. Minha enciclopédia de adjetivos ofensivos estava só na primeira página... Eu parecia um barriu de pólvora! Ele, de algum modo, conseguiu fazer com que Bella se tranqüilizasse e se dirigiu até a saída. Ela me pediu calma antes que eu o seguisse. Ué, agora ela estava do lado dele?! O que acontecia quando aqueles dois trocavam olhares afinal, mensagem telepática?!
Seguimos em um passo rápido até os fundos da casa. Nenhum de nós disse uma palavra sequer um ao outro durante o caminho. Eu só me preparava para o quebra pau. Mentalizava vários insultos, na expectativa de que ele se irritasse e cedesse à pancadaria. Ele não esboçou nenhuma intenção nesse sentido. “Mas que droga! Será que esse cara não tem coragem de me enfrentar nem quando ele mesmo puxa a briga?!” Paramos, por fim, e ele permaneceu de costas para mim.
– Não é uma questão de ter coragem ou não de te enfrentar, por que no final, eu sairia ganhando – sua voz saiu fraca e, por mais que eu quisesse, não consegui me ofender com suas palavras. Ele parecia sentir alguma dor.
– Qual é o seu problema afinal?! – gritei – Você vomita aquela história em Renesmee, como se não fosse nada e depois age assim, como um mártir?! Diga de uma vez o que você tem contra mim, por que essa palhaçada já passou dos limites!
– Não, – em uma fração de segundos, ele estava diante de mim, com um dedo acusador no meu nariz – esse lenga lenga de vocês é que já passou dos limites!
Eu me assustei de início com a investida dele, depois fiquei só confuso! Do que estávamos falando agora?!
– E nem faça essa cara de desentendido! Você sabe muito bem do que estamos falando! Ora, o que é que há, Jacob, você já tinha se decidido a parar de fingir que ninguém sabia do que estava acontecendo entre você e minha filha! Não vamos regredir agora...
Meus músculos afrouxaram e eu fiquei sem reação. Droga, odiava ser desarmado daquele jeito. Ele cutucou minha ferida e eu me esquivei. Depois de alguns segundos, consegui então formular uma explicação muito óbvia para suas atitudes.
– Ah, já entendi o que está acontecendo... Isso tudo é ciúmes não é?! Você está se roendo de raiva porque eu finalmente sei o que tenho que fazer!
– Rá – ele bufou – então é essa a sua conclusão sobre a situação?! Tenha paciência, lobisomem, eu não tenho a sua idade... Sinceramente, eu esperava mais de você!
Seu sarcasmo me desconcertou. Era evidente que eu estava CERTO! Que outra explicação haveria para o comportamento infantil dele?! Ele estava louco de raiva, assim como qualquer pai normal estaria em seu lugar. Será que era tão difícil assim admitir e pronto?! Qual seria a desculpa dele então?!
– Você se julga o dono da verdade, mas é incapaz de tomar uma atitude! E ainda diz que sabe o que tem que fazer...
– Fale claro, sanguessuga! – eu exigi
– Tudo bem então! A questão aqui não é, nem nunca foi sua paixão por minha filha, ok?! – ele me sacudiu – Todo mundo já aceitou essa realidade há muito tempo, se você não percebeu, desde que ficou claro que seria inevitável... Mas parece que você resolveu, de repente, ficar obsoleto.
– Eu não estou sendo obsoleto! – me defendi, me livrando de suas mãos – Só tenho princípios, tá legal! Eu achei que você, mais do que ninguém, me apoiaria! Nem todos os pais têm essa sorte, sabia?!
– Sorte?! – ele lançou as mãos para cima, suplicando paciência aos céus – você acha que o fato de minha filha nem falar mais comigo tem alguma semelhança com sorte?!
Senti minhas sobrancelhas se juntando. Renesmee estava fazendo isso?! Mas porque?!
– Você ainda pergunta?! Por acaso se esqueceu de que, por alguma aberração da natureza, eu consigo ler os pensamentos dos outros?! – seu semblante se abateu severamente.
Isso era tudo que eu achava que não iria acontecer. Não estava mais debochado, nem sarcástico... Parecia se afogar em um oceano de impotência. Meu Deus, ele estava sofrendo. Eu não havia pensado nisso...
– Sim, eu estou. Sua falta de atitude {tradução = lerdeza} está me afastando de Nessie a cada dia. Ela está se escondendo de mim, envergonhada.
– Envergonhada?! – eu perguntei, num sussurro de horror
Ele revirou os olhos.
– Ela está se sentindo uma depravada, Jake!
– Depravada?! – dessa vez, minha repetição foi mais alta, quase um berro – Porque ela se acharia depravada?!
– Mas como você é lento – ele suspirou – Renesmee está apaixonada por você!
Silêncio total, meu corpo todo parou diante daquela afirmação. Ele continuou, sem ligar para minha paralisia.
– E mais: ela acredita firmemente que você jamais sentirá o mesmo por ela. Ela o admira muito, e tem certeza de que você se ofenderia se ela ultrapasse o limite da amizade! Ela está se odiando e se martirizando dia e noite. Você acha que é fácil para um pai ver a filha sofrer assim e não poder fazer nada?!
Eu deveria ser a pessoa mais constrangida na face da terra naquele momento. Estive tão preocupado durante esse tempo em não ferir os sentimentos de Nessie que acabei fazendo tudo ao contrário, ferindo-a mais ainda. E outra, não incluí Edward na equação! Eu não tinha nem coragem de olhá-lo nos olhos agora. Quem poderia imaginar que depois daquela ceninha ridícula na sala, seria eu quem teria de pedir desculpas no final.
– Não se preocupe comigo... – ele respondeu aos meus pensamentos – fiz aquela coisa sem sentido totalmente contrariado, sabendo que estava errado todo o tempo. Eu espero que você compreenda meus instintos maquiavélicos – ele pousou a mão sobre meu ombro. Fui capaz de erguer meus olhos até ele e dei de cara com seu sorriso amigável.
– “Você” me perdoa?! – ele estendeu a outra mão para mim.
Aquilo tudo deu um nó no meu cérebro. Todos os meus conceitos estavam virados do avesso. Eram muitas coisas para assimilar em um dia só e eu me sentia zonzo. Primeiro foi aquela atitude estranha dela quando eles chegaram... Depois, a história. E agora isso! Eu precisaria de férias depois que tudo se resolvesse! Sua mão permanecia estendida para mim, então me apressei em apertá-la, antes que ele ficasse sem graça.
– Perdôo sim, claro... – consegui sorrir de volta
– Que bom! É bom voltar ao normal, já não estava mais agüentado te dar gelo. Me sentia tão...imaturo! – ele disse, parafraseando os pensamentos que eu tive durante esses dias em que ele me ignorou. Nós dois rimos e eu soube que éramos amigos outra vez.
– Mais o que você estava esperando, ao contar aquela história daquele jeito? – perguntei em meio à descontração e ele deu um salto
– Jake, você precisa correr! Renesmee está no chalé, provavelmente mortificando o que ainda resta de seus sentimentos... Vá depressa antes que seja tarde – ele me empurrou na direção da floresta, esbaforido
– Mas...
– Vá logo! Nós vamos ter muito tempo pra discutir meus motivos depois... – ele parecia contrariado – Eu provavelmente estou traindo alguma aliança paterna nesse momento, mas... que seja! Ande logo, não perca mais tempo!
Obedeci, afoito, me lançando mata adentro. Comecei a correr feito um louco, tropeçando nas raízes das árvores pelo caminho. As plantas chicoteavam minha cara, enquanto eu me concentrava em um só pensamento. “Encontrar Renesmee”! Nem lembrei de me transformar em lobo para chegar mais rápido... Fui na cara e na coragem!
Alguns minutos depois, estava na frente da casa. As luzes da sala permaneciam apagadas, mas a lareira estava acesa e a porta entreaberta. Eu me aproximei, calculando cada passo com cautela. Do lado de fora, fui capaz de escutar um chorinho fraco se misturando ao crepitar das cinzas. Meu coração se apertou e eu me acovardei. Precisava recobrar a confiança antes de entrar e lhe dizer o quanto eu lamentava pelo sofrimento que havia lhe causado... antes de mostrar o quanto ela era importante para mim... antes de dizer que eu a amava com toda força do meu ser.
A brisa gelada me causou um arrepio e minhas bochechas entraram em combustão. Contei mentalmente até dez, então empurrei a porta suavemente. Ela produziu o som que eu tentei evitar. Renesmee se virou para trás e, ao me ver, tentou se recompor. Estava linda em seu pijama de ursinho, apesar de muito abatida. Ela se colocou de pé e deu pra ver que sua mente estava em confusão.
– O que está fazendo aqui, Jake! – sua voz tão baixa que eu quase não fui capaz de escutar a pergunta. Ela não conseguia me encarar. Eu conhecia bem a sensação...
– Nessie, eu vim porque precisava explicar aquelas barbaridades que você ouviu – dei um passo em sua direção, mas ela deu uma resposta rápida, se afastando dois
– Não foram barbaridades! Eu... apenas fiquei surpresa. Não imaginava você e minha mãe... juntos! – ela franziu o cenho
– Eu sei! Deve ser bem estranho pra você encarar uma realidade dessas. Eu não te culpo! – dei uma nova investida, recuperando os dois passos. Ela permaneceu de cabeça baixa – Escute, nada disso importa mais. São águas passadas! Eu admiro muito a relação de seus pais, eles são um exemplo pra mim! Um exemplo que eu pretendo seguir...
Sua face se contraiu enquanto eu falava. Consegui avançar mais um pouco.
– Nessie, eu agora percebo o quanto eu te fiz sofrer durante esses dias. Eu fui negligente com a nossa amizade, deixei você sozinha quando mais precisou de mim e não soube como agir, nem o que pensar, quando nos reencontramos.
Minha aproximação sutil estava funcionando, e eu já estava a uma distância de apenas um corpo dela. Eu misturei os assuntos e isso a confundiu, sua mente provavelmente buscando sentido em minhas palavras. Quando viu minha sombra no chão, se virou de costas, escondendo a face outra vez.
– Por favor, Nessie, me perdoe! Eu preciso que você saiba que eu jamais teria raiva de você, por nenhum motivo no mundo...
Houve um breve silêncio.
– Nem se eu te decepcionasse?! – ela perguntou descrente, sua expressão oculta
– Nada que você fizesse me decepcionaria! – dei mais um passo
– E se você estiver enganado?! E se eu fizesse algo que realmente colocasse nossa amizade em jogo?!
– Minha admiração e afeto não estão condicionados a nada que venha a acontecer entre nós... Eles serão eternos! – outro passo
– Como você pode ter tanta certeza?! Você não sabe como eu me sinto... – sua voz era quase um sussurro
– Eu confio em você! – completei o percurso, ficando tão próximo a ponto de minha respiração movimentar seus cabelos, soltos um pouco abaixo dos ombros. Ela estremeceu.
– Eu não mereço a sua confiança...
– Ela é sua, independente disso! – eu a abracei pelas costas
Inicialmente ela se assustou quando meus braços a envolveram. Depois, pouco a pouco foi abandonando o peso do corpo em meu peito. Então chorou copiosamente.
Eu sustentei seu tronco enquanto ela se rendeu aos próprios sentimentos. Esperei que ela descarregasse toda a tristeza, para que não restasse mais nada quando eu finalmente abrisse a boca outra vez. A chuva se chocou contra os vidros das janelas, caiando o mundo ao nosso redor de preto e branco, e eu fechei meus olhos. Tudo parecia cooperar com meus planos. Era o momento perfeito.
Quando seu choro se resumiu a pequenos soluços, eu girei seu corpo para que ficasse de frente para mim. Ela insistia em esconder os olhos, mas eu puxei delicadamente se queixo para cima com os dedos, obrigando-a a me encarar. Nossos corações regiam uma harmonia do descompasso...
A hora era agora, não podia esperar nem mais um minuto.
– Nessie, eu... preciso te dizer algo muito importante. Algo que tenho escondido por duas semanas e dois dias, pra ser exato, e agora eu já não consigo mais esconder... – Engoli em seco, antes de continuar – Necessito que você saiba que é a pessoa mais especial do mundo pra mim. Seus temores eram iguais aos meus, por que nossos sentimentos são iguais...
Ela fixou o olhar em mim, surpreendida com minhas palavras.
– Nessie, eu ...te amo! Você é a menina dos meus olhos! A dona absoluta dos meus sentimentos... Esse bater irregular do meu coração é a prova irrevogável de que ele não pertence mais a mim, e sim, a você! Aceite-o, por favor, e dê um fim a minha agonia.
Nenhuma palavra saiu de seus lábios. Eu congelei, o silêncio a ponto de me ensurdecer.
“Por favor Nessie, diga alguma coisa!”
“Qualquer coisa...”
...
Fanfic escrita por Raffaela Costa
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