MORTE, VIDA E ESPERA
Escuridão...
Trevas...
Sombras...
Silêncio...
Amnésia...
Dor...
Morte...
Tantas palavras para descrever um só sentimento... O que significava isso?! Eu não pensei que fosse humanamente possível suportar o que eu estava sentindo dentro de mim. Um vazio que se dilatava e comprimia os órgãos, um pavor que corroia as memórias, uma a uma, sem controle. Um formigamento no corpo, um arrepio nos pelos... Suor frio em pele quente, um bloqueio sufocante na garganta... Qual era a razão dessa tortura?! Quem havia injetado veneno em minhas veias?! Por que razão eu havia sido condenado à morte desse jeito?! Um barulho agudo e insistente ao fundo de minha mente vazia, indo e vindo, sem resposta. Sentia meu corpo em paralisia, pois não conseguia esboçar reação alguma. O corpo se desligou da mente. Oh não, eu realmente estava morto! O ruído se intensificou em meus ouvidos, acompanhado de uma vibração em minha mão. Tentei assimilar essas poucas informações na cabeça. Era o celular que tocava repetidas vezes. Mas como atender, se meus membros já não obedeciam aos comandos do cérebro?! Nem me incomodei em tentar. O mundo teria de esperar, pois eu não mantinha mais contato algum com a realidade. Tudo que restava de Jacob Black agora era como um tronco oco de uma árvore centenária, entregue ao abandono, ansiando pelo fim. As palavras finais foram muito claras: “Eles foram embora!” “Deixaram Forks!” O tempo havia se esgotado para os meus sentimentos. Minha luta era em vão. Eu devia aceitar minha sentença de uma vez, pois nenhum esforço adiantaria. Nada mudaria o que já estava feito. Dali pra frente, tudo cooperaria para minha ruína. Saudade, impotência, isolamento, choro... Não valia a pena viver para sucumbir aos poucos com a distância entre nós. Sua decisão foi brutal e irrevogável. Tinha certeza de que eles não retornariam, senti isso no tom de voz do meu carrasco. Só uma coisa eu guardava em minha memória que poderia classificar como sofrimento igual àquele que eu estava sentindo: A dor de Bella, quando Edward a deixou, muitos anos atrás. Não, eu não era tão forte quanto ela... Não seria capaz de resistir nem mais um dia sequer sem a presença da pessoa que eu amava. Amava desesperadamente... Senti um chamado claro. Era a morte em pessoa que me espreitava, com sua capa negra e foice afiada, o olhar fixo na minha cena de tortura. Ela flutuava em meio a um nevoeiro denso e muitas almas a rodeavam, cantando para a minha. Meus olhos fracos contemplaram, em um misto terrível de pavor e alívio, sua aproximação decidida. Em seguida, eles varreram o ambiente ao meu redor e eu percebi que não estava mais em meu quarto, mas em um pico elevado acima das nuvens. O vento se chocava contra meu corpo, tentando me precipitar no abismo. Eu não me oporia ao seu intento, por mais que meu coração ainda pulsasse em contrariedade às minhas intenções. Minhas pálpebras se fecharam em defesa dos olhos, que se ressecavam em contato com a ventania. Uma voz ecoou em resposta à minha rendição “Venha! Eu trago alívio para a sua alma... Consolo para as suas frustrações! Não tenha medo de se entregar a mim!”. Nessa hora, meus membros foram tomados pela hipnose de sua mensagem sombria, e eu já não habitava em meus atos. Abandonei o corpo, por fim, no vazio. A morte sorriu para mim. Despertei bruscamente das alucinações e dei de cara na lateral da cama. Houve um estalo e meu supercílio se partiu, o sangue inundando minha visão. Não me importei em conter o sangramento, que logo estancaria sozinho. Uma ferida muito mais profunda estava aberta em meu peito e essa não sararia como a outra. Era só nela que eu pensava. Era só com ela que eu sofreria de agora em diante. Já era noite lá fora. Quantas horas eu havia ficado inconsciente dessa vez?! Aquilo não poderia ser saudável... mas saúde naquele momento era um aspecto irrelevante para mim. Vida sem amor não é plena, mesmo que sejamos saudáveis em tudo. É como uma ave que perde as asas em pleno vôo. Como um peixe sendo atirado pra fora do mar por uma onda inesperada. Incompleto e fatal. Algo precisava ser feito para acabar com esse suplício. Eu precisava dar um fim àquele destino cruel que se firmou para mim. Não o aceitaria de bom grado, nem seria desdenhado pela felicidade daquele jeito. Só havia uma saída. O impulso mais assombroso ao qual o homem pode ceder. O ato imperdoável. O caminho sem volta. A escolha amaldiçoada. Suicídio. Nessa hora, uma batida forte na janela do quarto me sobressaltou. “O que seria aquilo a essa hora da noite?” eu praguejei, irritado pela interrupção. Qualquer distração agora colocaria a baixo minhas intenções. Minha decisão estava tomada! Outra batida interrompeu minhas injúrias, dessa vez mais intensa. Devia ser um dos garotos. Coloquei minha expressão mais raivosa, pronto para derramar minha ira sobre quem quer que fosse. Abri abruptamente a janela e a surpresa me desarmou imediatamente. Diante dos meus olhos estava a figura minúscula de Alice, sua cara impaciente me fuzilando. Em seguida ela demonstrou um profundo alívio em me ver, o que foi de fato bem perturbador. – Graças a Deus eu cheguei a tempo de impedir que você fizesse uma besteira! Você não imagina a discussão que eu tive com Rosalie por sua causa... Minhas sobrancelhas se juntaram enquanto eu permanecia segurando as abas da veneziana. Ela deu um pigarro. – Vai me deixar aqui fora, depois do que eu fiz por você?! Eu não pude me opor, já que ela escalou o parapeito sem esperar por minha resposta. Se esfregou toda, após um salto habilidoso por sobre a cama. – Arght, você precisa limpar esse lugar de vez em quando... Higiene não dói, sabia?! Eu ainda tentava encontrar alguma explicação para sua visita inesperada. Nada parecia muito “real” para mim. Eu estava dopado pelo desespero. Ela decifrou a mensagem em meu olhar e começou a se enternecer. – Jacob, eu não sei explicar o que aconteceu. E sinceramente ainda não acredito que estou aqui... Mas, uma vez que me decidi por vir, algumas coisas precisam ser esclarecidas, antes que você resolva se atirar de um penhasco sagrado dos Quileutes ou qualquer coisa do tipo... Essa última parte provocou um arrepio em minha espinha. Como ela ficou sabendo dos meus planos antes de eu os ter posto em prática?! Até onde se sabia, os lobos eram imunes a videntes. Qual seria sua explicação para isso?! Meus olhos se arregalaram em ansiedade. – Como eu já disse, algo que eu não consigo entender aconteceu hoje mais cedo, quando você deu aquele telefonema lá pra casa... – ela franziu a testa, os braços cruzados enquanto falava – De repente, eu tive um vislumbre do futuro e você estava nele, SE ATIRANDO DE UM PENHASCO! Ela estendeu as mãos, incrédula diante da minha decisão. Meu silêncio confirmou sua suspeita e ela recomeçou, em um tom de repreensão: – Como você foi capaz de considerar uma coisa absurda dessas, Jacob Black?! Não pensou nas conseqüências dessa loucura?! Não responda, – ela se interrompeu – isso foi uma pergunta retórica! Agora ela dava voltas de um lado para o outro no cômodo apertado, seu olhar procurava respostas nos meus quando se colocava de frente para mim. Ela se cansou de rodar, então, subitamente, colocou as mãos geladas nos meus ombros, me sacudindo. – Sua morte causaria um dor terrível a todos, seu doente! Sua família, minha família, seus amigo e, principalmente... Renesmee! A menção do nome me causou um espanto, seguido de uma raiva assassina. Fiquei fora de mim, me livrando de suas mãos e me atirando contra a parede, num golpe exagerado que a fez estremecer. – Renesmee não existe mais, Alice! Ela foi embora para sempre... Me abandonou sem nenhuma compaixão e ninguém fez nada para impedir isso! Ela morreu para mim e agora eu preciso fazer o mesmo! – Chega com isso! – ela bufou, a irritação lhe deu um ar muito autoritário – Quanto absurdo num dia só... NINGUÉM ABANDONOU NINGUÉM, tá legal?! Rosalie foi uma estúpida quando te disse aquilo. Foi por isso que eu discuti com ela. Tudo que pude fazer diante daquela afirmação foi piscar, incrédulo. Então não era verdade o que a loira psicopata disse?! Ninguém havia saído de Forks, afinal?! Minhas indagações mais uma vez ficaram evidentes em minha cara. Alice relaxou na cama. – Isso mesmo que eu disse: Ninguém abandonou você! Ninguém foi embora de Forks! O que aconteceu foi que Edward, Bella e Nessie aceitaram um convite dos Denali para passar duas semanas com eles, no Alaska. SIMPLISMENTE isso! Se você não tivesse dado chá de sumiço no dia da festa, teria presenciado o convite e, quem sabe, até mesmo sido incluído na excursão! – Ela não podia deixar de ser sarcástica Meus corpo deslizou da parede ao chão e minha respiração começou a falhar. O coração dava saltos sob o peito e eu senti meus olhos marejando. Enxuguei-os rapidamente, enquanto uma profunda desconfiança se abateu sobre mim. – Como eu posso ter certeza de que você não está mentindo, só pra ganhar tempo?! Ela pareceu não acreditar no que ouvia. Sua cara assumiu uma expressão de quem tem sua honra traída. Ela recitou algo como um mantra para si mesma, então teve condições de falar outra vez: – Você acha – a voz estava duplicada em um eco sombrio – que eu me arriscaria tanto vindo aqui, na tentativa de te salvar de cometer suicídio, e simplesmente inventaria uma mentira qualquer?! Ora, faça-me o favor! Eu ultrapassei a fronteira de La Push, se você não percebeu... Vir assim, sem um convite, poderia ter feito com que seus amiguinhos lobos pensassem que eu era um inimigo. Eu poderia muito bem estar morta agora! E eles teriam todo o direito de fazer isso comigo... – ela começou a resmungar baixo alguma coisa em outra língua. Eu me dei conta do risco em que ela se colocou, então baixei a guarda, envergonhado. – Me desculpe, Alice! Mas é que eu não podia imaginar que Rosalie fosse capaz de uma perversidade dessas! – É, eu sei... – ela batia o pé no chão, como uma criança emburrada. Eu, por outro lado, fui invadido por uma sensação de alívio tão superior ao meu desespero que dei uma gargalhada, assustando-a. Ela, claro, não previu minha reação e estremeceu. – Arre, Jacob, que susto! Era muito alegria reunida em um corpo só. Eu não tive condições de me conter, tamanho o entusiasmo com a notícia. “Ah, Nessie, me perdoe por tê-la julgado mal...” eu pensava, enquanto ria histericamente. Bendita premonição! Aliás, isso me lembrou um aspecto muito esquisito naquilo tudo. Ela ainda precisava me explicar como ficou sabendo dos meus intentos macabros. Fiz a pergunta, entre lágrimas de riso e a tentativa de me conter. Ela pareceu se iluminar com a lembrança desse detalhe. Cruzou as pernas na cama, tão a vontade como se o quarto fosse dela. – Até agora eu estou pasma com o que aconteceu... – ela se engasgava com as palavras, na empolgação de me contar os detalhes – Eu estava sentada no sofá, Jasper, Emmett e Rosalie do meu lado, então o telefone tocou. Rosalie foi atender, e eu ouvi ela dizer alguma coisa sobre Edward, Bella e Renesmee terem ido embora de Forks. Na mesma hora, um turbilhão de visões começaram a brotar diante dos meus olhos. Eu via flashs de um vulto se atirando de um penhasco, atingindo as pedras do mar sob ele. Depois eu via pessoas chorando, e reconheci algumas delas. Seu pai, sua irmã, alguns outros vultos que provavelmente eram dos garotos que foram à festa... Todos em desespero. E a próxima visão foi a mais terrível: Estávamos todos reunidos no cemitério Quillayute Prairie, diante de uma lápide com seu nome. Nesse ponto eu tive certeza de que era você quem estava do outro lado da linha, então corri para tomar o telefone da mão dela, mas você não respondeu. Eu tentei várias e várias vezes te ligar, enquanto todo mundo estranhava meu comportamento desesperado, Rosalie principalmente. Depois de duas horas, eu desisti e decidi que viria te encontrar. Ninguém achou que seria uma idéia muito prudente, principalmente por que eu iria quebrar uma parte do acordo, sem dar um aviso prévio, e isso era muito arriscado. Mas eu estava tão decidida que nenhum deles conseguiu me convencer do contrário! Se ela fosse humana, teria precisado recobrar o fôlego naquela hora. Mas sua pausa foi meramente para avaliar minha reação ao que ela havia acabado de contar. Eu não conseguia disfarçar minha surpresa por sua decisão em vir me salvar da morte de maneira tão corajosa. Ela, definitivamente, estava subindo no meu conceito. Perguntei sobre a discussão entre ela e Rosalie, e ela fez uma cara de desprezo muito cômica. – Rosalie veio com uma conversinha de que talvez fosse bom que você pensasse que eles tinham ido mesmo embora. Prefiro não comentar os motivos dela, mas ficou muito claro que ela não estava nem aí para o fato de que você poderia a qualquer momento tirar a própria vida por causa da mentira. Eu prefiro crer que apenas estava com dúvidas de que minhas visões estivessem mesmo corretas, em razão da minha incapacidade, até então, de prever qualquer coisa relacionada a lobisomens. Ela começou a me chamar de ridícula e a dizer que eu ia perder o meu tempo indo atrás de você... Precisei me controlar para não ceder ao impulso de correr até a mansão Cullen pra esganar aquela loira recalcada com minhas próprias mãos. Como alguém conseguia ser tão insensível assim?! Chegava a ser diabólico... Respirei fundo e perguntei a Alice o que ela havia dito em resposta. Ela deu de ombros. – Mandei aquela vaca ir para o inferno e vim correndo até aqui! Dei uma nova gargalhada e dessa vez ela não pode deixar de rir também. “Boa! Nem eu poderia ter feito melhor!” Pensei satisfeito. Era tão bom poder rir outra vez. Achei que nunca mais seria capaz de me alegrar com alguma coisa... Ainda era estranho lidar com a leveza do meu corpo, por causa da boa notícia. Eu estava a ponto de flutuar! Nem me preocupei muito por tê-las colocado uma contra a outra. Irmãs têm dessas coisas... – O que você acha que tornou possível sua previsão sobre mim?! – perguntei, agora em um tom de seriedade. Ela se demorou um pouco a responder. – Não sei... ainda não tenho uma opinião formada a respeito disso! Pode ser um avanço, por nossas relações com vocês lobos estarem se estreitando... Mas minha teoria é que as visões que eu tive não foram em relação à sua decisão de se matar propriamente dita, mas sim em conseqüência da atitude de Rosalie, que seria o fator responsável por sua morte... Sei lá! Não quero me precipitar, achando que tive finalmente um vislumbre do futuro de um lobisomem. Isso seria um progresso e tanto, mas ... nada de especial aconteceu para tornar isso possível. A não ser que... Ela pareceu considerar algumas coisas. Eu me afobei. – A não ser que... ?! Ela me analisou um pouco, antes de completar. – A não ser que sua decisão de morrer foi tão firme como nenhuma outra decisão sua havia sido antes! Se assim for, eu devo dizer que a presença de Renesmee é de uma vital importância para você, por que a simples idéia de um afastamento é capaz de alterar a sua personalidade de uma forma violenta. É quase como se você não fosse mais um lobo; você seria somente um humano, fraco e desnorteado. Essa dependência é algo de se admirar! Eu fiquei impressionado com o que ela falou. Renesmee era vital para minha natureza de lobo. Sem ela, eu voltava a ser um humano... Mais que isso, eu viraria um espectro sem vida, um zumbi. Essa, muito provavelmente, era a explicação correta. Não havia nem mais uma brecha sequer para dúvidas: Nós deveríamos permanecer juntos, para sempre. Eu nutria por ela um sentimento vitalício, condicionado a apenas um fator: sua aceitação! Se ela correspondesse a ele, eu seria eternamente seu, entregue de corpo e alma numa paixão sem limites. Se ela o rejeitasse, eu automaticamente deixaria de existir. Que descrição mais exata sobre o amor poderia haver, além dessa?! Eu não conhecia... – Você tem alguma coisa a dizer a respeito? – Alice me observava com uma sobrancelha erguida e um olhar malicioso. Corei e sacudi a cabeça, desconcertado. Ela suspirou e se rendeu. – Certo então! Ufa, que alívio saber que não teremos nenhum funeral por esses dias! Eu estava tão exultante de contentamento que me ergui involuntariamente e a apertei contra o corpo em um abraço de urso. Ela gemeu, mas eu não parei. Devia ser a pessoa mais aliviada no mundo inteiro naquele momento. Nunca pensei que meu afeto se estenderia a Alice daquele jeito. Nós dois sempre nos alfinetávamos em picuinhas insignificantes, mas agora eu a enxergava com outros olhos. Os olhos de alguém que lhe seria eternamente grato! – Me larga, garoto. Você está me melecando com esse seu sangue fedorento... – ela protestou e eu a larguei, me lembrando do corte que já havia sarado, mas que ainda estava sujo. Me desculpei sem graça e esfreguei o braço no local da ferida. Ela fez cara de nojo. – Credo, vai lavar essa creca! Arght, ainda bem que você não fez isso na frente de Carlisle. Ele iria te presentear com uma boa dose de Nebacetin, só pra você nunca mais fazer essa porcaria outra vez... – não conseguiu se conter e tapou o nariz com os dedos. Eu, de pirraça, cheguei bem preto dela, escancarando a ferida em sua cara. – Tá limpa, ó!! Deixa de ser fresca, vampira! Ela revirou os olhos. – Ok, hora de ir! – ela anunciou, ainda bloqueando o nariz – Minha missão está cumprida! Melhor eu sair antes que seu pai acorde e venha ver que algazarra é essa... “ ‘Acorde’?! Mas que horas são?!” Corri os olhos pelo quarto e vi que na cabeceira o relógio já marcava 3:00am. – É, meu caro, o tempo voa quando a gente se diverte! – sua voz fanha fez com que ela parecesse um palhacinho. Eu bufei um riso, mas me contive quando seu olhar me fuzilou! – Vamos! O mínimo que você pode fazer por mim é me acompanhar de volta até minha casa! Não quero correr mais riscos, se não se importa... De maneira nenhuma eu poderia negar um pedido tão simples. Como se acompanhá-la fosse o suficiente para agradecer pelo que tinha feito. Eu agora lhe devia minha vida. – Claro que não me importo! Será uma honra – quase me curvei – Só me espere lá fora um segundo, pra que eu possa me transformar sem acabar com minha roupa! Não me restam muitas outras... Ela torceu a boca, numa atitude esnobe. Seu olhar vasculhou meu guarda-roupas aberto. – Uma roupa a mais, outra a menos, que diferença faz?! Seu vestuário é tão limitado mesmo... Mas isso um dia vai mudar. A se vai... Não entendi essa última parte. Ela pareceu despertar de suas considerações e passou um zíper nos lábios, depois trancou um cadeado imaginário e atirou a chave invisível fora, claramente satisfeita com o suspense. Corei outra vez. – Está bem, eu aguardo lá fora! Mas não demore, eu tenho muitas coisas pra fazer! – enquanto dizia isso, ela se atirou suavemente através da minha janela, afastando-se do campo de visão. Como solicitado, eu não demorei mais do que alguns segundos. Sai ao seu encontro, então corremos por entre as árvores da floresta escura. Ela não pronunciou uma palavra durante o caminho, mas uma outra voz manteve meus pensamentos ocupados. Seth estava desobedecendo minhas ordens de novo, passando a noite fora de casa... Sua voz me procurou, aflita. – Jake, o que está acontecendo?! Eu sinto o cheiro de um vampiro dentro da reserva... Me parece conhecido, mas eu não tenho certeza...Você sabe o que é?! – Tenha calma, garoto, á apenas Alice que veio me fazer uma visita! Já estou com ela, indo de volta à mansão! – Ah, ok! – a confusão tomou conta de sua voz – O que ela está fazendo aqui?! – Boa noite, Seth! – eu encerrei o assunto – Vá pra casa! Isso não é um pedido! – Está bem... está bem... Não demoramos a completar o percurso. Parei a poucos metros da casa, sem querer me aproximar mais. Ela se voltou pra mim, seu olhar sinceramente agradecido. – Ah – ela exclamou – Já ia me esquecendo... Tome! Ela retirou um pacote do bolso do vestido e me atirou em seguida. Era um embrulho pequeno, envolto por um papel fino. Eu abocanhei com delicadeza. – Espero que você goste. São as fotos do aniversário! Eu revelei assim que a festa terminou e fiz essas cópias impressas especialmente pra te dar! Já sei que você prefere as coisas à moda antiga, então... Sacudi a cabeça, afirmativamente, e ela sorriu. – Se cuida, lobisomem! – disse antes de correr em direção à casa. Eu a observei entrar, depois parti. Estava afobado de curiosidade com o presente em minha boca. Precisava ver Renesmee, olhar seu rosto nem que fosse por uma fotografia inanimada. Tinha que exorcizar de vez todos os resquícios de angustia e depressão que ainda haviam em mim. Nem senti a floresta ficando para trás, outra vez numa corrida inconsciente até meu destino. Sobre mim, o céu já continha as manchas róseas do amanhecer, e a terra estava coberta por uma suave camada de orvalho. “Outra noite em claro!” eu pensei enquanto pulava a cerca, indo devagar em direção à minha janela. Essa rotina não combinava comigo e, cedo ou tarde, eu desabaria, exausto. Mais não agora, não quando uma expectativa tão forte fazia meu coração galopar sob o peito... Seria impossível adiar aquele momento. Vesti a bermuda e me sentei apressado na cama. Rasguei o pacote com urgência, insensível ao arranjo que Alice havia colocado no embrulho. Pra que enfeitar algo que já era por sua natureza belo?! Um jorro de fotos escorreu para os lençóis, escapando por baixo de minhas mãos. Ajuntei-as em um bolo, depois examinei uma a uma, me demorando nas melhores. Alice realmente tinha sensibilidade para essas coisas. Ela soube registrar os melhores momentos da celebração. Os convidados, a decoração, os jogos... A aniversariante... Duas fotos em especial eu guardaria à parte do restante. Elas seriam só minhas. A primeira era uma foto minha com Nessie, em um abraço desconcertado. Minha cara estava péssima, que horror, mas do meu lado um rosto perfeito atraia toda a atenção na imagem. Sua carinha envergonhada me deliciava, as borboletas se agitavam no estômago outra vez. A segunda era de nós dois, em nossa breve dança no jardim. Nem sequer percebi Alice tirar essa foto, mas foi melhor assim. Ela nos capturou ao natural, sorrindo um para o outro, enquanto eu a conduzia entre os outros casais. É, quem visse a imagem até poderia pensar que eu dançava bem... E o meu anjo mais uma vez estava deslumbrante. Sua beleza tão pura contrastava com as demais figuras ao seu redor. Nem parecia que, minutos depois, passaríamos por aquele conflito marcante no hall... Corri até a cômoda e as escondi dentro de uma gaveta. Ninguém as encontraria ali. Eu as teria só pra mim, para sempre. O galo cantou. Eu ainda teria duas semanas de espera. Duas semanas de ansiedade, desejando que cada segundo se abreviasse... Naquela manhã, minha família me recebeu com o interrogatório que eu já previa. Eu apaguei por um dia inteiro, era natural. Rachel fazia observações sobre como meu temperamento estava regredindo ultimamente, e Billy acrescentava algumas injúrias. Paul se mantinha calado, sem participar das discussões. Devia perceber como o clima me aborrecia. Minha rotina de espera foi se tornando uma coisa bem monótona... Eu fazia minhas refeições com a maior pressa possível, depois me atirava porta afora, sem destino certo. O ócio era pleno. Num dia, eu até me senti inclinado a visitar Charlie. Fui até a velha residência Swan e passei algumas horas com ele, seu mau humor habitual atenuado pela minha presença. Assistimos a um jogo qualquer {esportes já haviam perdido o sentido para mim...}, depois ficamos de papo para o ar. Ele não me fazia muitas perguntas, apenas o essencial: como iam as coisas, se Bella e Nessie estavam bem... Mostrei as fotos da festa e ele ficou muito satisfeito. Era notório o seu choque ao ver algumas figuras estranhas nas fotografias, mas ele disfarçava, mencionando como Nessie estava linda e crescida. Contei a ele sobre a viagem, e ele não pareceu muito confortável ao me escutar dizer que ficariam fora por duas semanas. – Jake, você realmente confia nesses... nessas pessoas?! O quanto você sabe a respeito desses tais Denali?! – a agonia evidente em seu semblante. Eu tentava parecer o mais franco possível – Não muito, Charlie... Mas o suficiente para saber que estão seguros! – essa resposta foi o suficiente para que ele relaxasse e mudasse de assunto. Alguns dias depois, estive com Quil. Ele era um cara e tanto, eu o admirava muito. Me inspirava nele na maior parte do tempo para conseguir lidar com a situação “Imprinting” de uma forma tranqüila. Suas experiências sempre me incentivavam. Ninguém era capaz de compreender como eu me sentia melhor do que Quil Ateara e isso fazia dele meu melhor amigo. Fomos juntos a uma lanchonete em Port Angeles e passamos horas conversando. Ele escutou assombrado os últimos acontecimentos em minha vida, tomando meu sofrimento como seu. Só não contei a ele sobre o beijo, já que era uma situação bilateral, não dizia respeito só a mim. Expor o ocorrido seria expor Renesmee, e eu não precisava de mais culpa em meu currículo... Ele me alertou sobre os sonhos. Disse que eu não deveria deixar de levá-os em consideração. – Eu costumo pensar que meus sonhos são uma ferramenta de auxílio a mais para que eu consiga lidar com a Clairezinha – ele explicou – Como assim?! – eu tinha uma visão diferente sobre aqueles assombros noturnos – eu não vejo nenhum benefício neles. Pelo contrário... – Você está olhando para eles de um jeito errado. Precisa aprender a decifrá-los, virar o jogo a seu favor! Por exemplo, você não conseguiu fazer nenhuma relação entre os sonhos e a realidade?! – Creio que não... – pensei um pouco e voltei atrás – A não ser o fato de agora eu estar ciente de que meus sentimentos por Renesmee não são mais os mesmos de antes! E também, eu tenho perdido muito fácil o controle ultimamente... Mas isso eu acredito que tenha relação unicamente com a minha mudança de mente. Ele não pareceu satisfeito com minhas constatações e insistiu: – Nenhuma mudança por parte dela?! Nenhuma alteração em seu comportamento?! – Nada! –Eu não gostava de ter que mentir para ele, mas não tinha escolha – Por que?! – Eu estou te perguntando por que eu mesmo tenho muitos sonhos com Claire! Não como os seus, graças a Deus... Porém é certo que, quando tenho sonhos estranhos com ela, algo a está incomodando... Você pode até dizer que eu sou supersticioso – ele torceu a boca, constrangido – mas isso vem de muito tempo atrás, e eu já nem tenho como duvidar. Eu meditei no que ele falou por alguns minutos. Renesmee vinha sim agindo de forma estranha, e o período em que os sonhos começaram coincidia com o dessas mudanças. Mas, até o momento, eu não havia feito nenhuma conexão entre uma coisa e outra. Será mesmo que os “pesadelos” eram somente um mecanismo de alerta inerente ao imprinting, acionado toda vez que a pessoa alvo de nossa admiração apresentava alguma mudança de mente... ou de sentimentos?! Eu já sabia que Nessie estava confusa quanto a nossa relação, e que havia um boa chance dela estar no mesmo nível de atração que o meu. Mas olhar os sonhos por essa perspectiva me fez sentir um súbito... alívio de consciência. Então aquelas visões horríveis não eram desejos pervertidos que eu tinha, reprimidos em algum canto sombrio do meu subconsciente, mas um sonar de que algo novo estava acontecendo e eu precisava ficar atento, para agir da maneira correta quando a hora chegasse?! Sim, isso fazia sentido. Minha manobra evasiva, na ocasião em que aconteceu o beijo, era por certo uma confirmação disso. Se não fosse pelos sonhos, eu teria provavelmente cedido ao beijo, sem considerar os conflitos por detrás dele... Ou até mesmo poderia tê-la recusado com grossura, o que seria ainda pior. Como eu pude demorar tanto a perceber?! Minha burrice me impressionava, às vezes... – Eu acho – Quil interrompeu minhas conclusões, o olhar tranqüilizador – que a partir de agora você vai saber utilizar melhor essa ferramenta. Fico feliz por ter te ajudado, e espero sinceramente que você faça o mesmo por mim, quando chegar a minha vez... – ele teve um calafrio com a idéia – Fique certo disso, Quil! Nós dois estamos no mesmo barco irmão, e eu te devo muito pelo que você já me ajudou durante esse tempo todo... Sem você, eu teria pirado! – Graças a Deus por você estar no mesmo barco que eu... Eu “já” estava pirando, antes de você se juntar a mim. Todos eram tão inconvenientes... Você já sabe bem como é! – ele me deu um tapinha no braço – E você não me deve nada... Não teremos dívidas um com o outro, ok?! – Ok! – eu sorri, muito feliz por nossa parceria. Ela seria eterna! A primeira semana ficou para trás e eu me vi abatido por uma ansiedade maior na medida em que a data do retorno deles se aproximava. Já havia sido bastante difícil arranjar o que fazer durante os primeiros sete dias e lembrar que eu ainda estava na metade da minha provação só me angustiava. Minhas idéias estavam escassas e a depressão se instalava por breves momentos, que eram suficientes para me derrubar parcialmente. Minhas noites continuavam sendo conturbadas, mas eu me forçava a acordar várias vezes durante a madrugada, sem querer alimentar os sonhos. “Nessie, não se martirize! Eu te amo!” eu tentava enviar uma mensagem mental até ela, onde quer que estivesse. “Descanse, meu amor! Estou aqui, te esperando!”. Isso me ajudava bastante, pois eu era capaz de pegar no sono outra vez e não tinha mais que despertar maquinalmente. As alucinações iam embora. Finalmente, as duas semanas se passaram, e eu não conseguia disfarçar minha agitação. Estava louco para ver minha princesa outra vez, nervoso por ter algo importante a lhe dizer e ansioso por obter uma resposta sua... uma aceitação sua... Alice me telefonou logo pela manhã, avisando que o vôo deles chegaria às 9:30 am, e que todos já estariam em casa às 10:00am. Sugeriu que eu estivesse lá para recebê-los. Deu uma ênfase especial à Renesmee quando mencionou isso. Tá bom, eu tinha que parar de agir como se as pessoas ao meu redor já não soubessem o que estava se passando... Era tão óbvio. Não tinha mais que me importar com o que pensavam, pois todos pareciam aceitar muito bem a situação {com exceção de Rosalie... o que era irrelevante, nesse ou em qualquer caso!}. Era hora de estar seguro, de recobrar a autoconfiança e de deixar os receios no passado. O “eu” já não me importava antes, agora muito menos... Cheguei à mansão às 7:00 am. Tudo estava tão diferente sem a decoração colorida da festa... incompleto pela ausência da doce homenageada. Isso mudaria logo, e eu mal conseguia me conter. Queria gritar bem alto, o suficiente para que ela me escutasse do avião: “Eu te amo!”. Alice me atirou uma muda de roupas novas e eu fui obrigado a me arrumar em um closet gigantesco que havia em seu quarto. Não estaria exagerando nem um pouco se dissesse que aquele guarda-roupas dela era duas vezes maior que minha casa inteira... De repente, eu era uma cobaia em suas mãos inquietas, que borrifavam perfumes fortes em mim, derramavam gel no meu cabelo... Teve uma hora em que ela se aproximou de mim com uma pinça na mão, insinuando que iria “dar um jeito naquelas duas taturanas” que eu parecia ter em cima dos olhos, mas eu tratei de sair correndo antes que ela conseguisse concretizar seu plano. Eu já estava embonecado demais pro meu gosto. Quando voltei para a sala, Emmett e Jasper não conseguiram conter as gargalhadas e piadinhas e Alice ficou dizendo “Ele não está parecendo gente agora, pessoal?!”. Tudo em prol de uma boa causa, eu recitei para mim mesmo, na tentativa de suportar as provocações. No final, iria valer a pena. Eles saíram para o aeroporto e eu fiquei sozinho naquela casa enorme, a ansiedade como minha única companhia. Minhas unhas já haviam ido para o espaço àquela altura do campeonato e não tinha nada de interessante passando na tv. Eu apenas afundei no sofá, a imensa parede de vidro à minha frente lançando claridade sobre mim. “Calma coração, vai dar tudo certo!”. O tempo passou arrastado. O tic-tac do relógio de corda já estava me tirando a paciência quando, finalmente, escutei os pneus dos dois carros avançando pela entrada. Levantei afoito do sofá, verificando cada esquina da minha roupa. Senti palpitações histéricas dentro do peito, enquanto ouvia os passos sobre a escada da frente. Meus pelos se arrepiaram quando escutei o ranger suave da porta se abrindo. Eu estava muito tenso. As vozes eram animadas no hall e eu me esgueirei para espiar. Não foi preciso tanto esforço, pois eles não se demoraram em vir a meu encontro. Os primeiros a entrar foram os que eu já havia visto, ainda em meio a uma conversação alegre. Edward e Bella adentraram o meu campo de visão. Bella estava visivelmente satisfeita em me reencontrar e caminhou até mim, se atirando em meus braços. – Jake, que saudade de você! – ela me espremeu, quase me machucando – Parece que faz um século que eu não te vejo e... tão bem vestido assim, acho que é a primeira vez!! Onde você arranjou perfume?! – a ótimo, agora ela iria pontuar um a um os detalhes do meu disfarce de galã. – É muito bom te ver também, Bella. Senti muito a sua falta! – tratei logo de interrompê-la, apesar de estar sendo sincero Edward me lançou um “oi”, só por educação. Ele carregava uma tonelada de bagagens nas costas e eu não enxerguei aquilo como sendo outra coisa, senão o típico exagero de nossa querida personal stylist, Alice. Meus olhos correram em direção à entrada do hall, estranhando a demora de uma certa pessoa que me fazia tremer nas bases. Bella arregalou os olhos, quando escutou o solavanco do meu coração. Ela sorriu, a surpresa em sua expressão fazendo meu corpo gelar, em seguida exclamou: – Renesmee, meu amor, venha até aqui! Eu parei de respirar.
Fanfic escrita por Raffaela Costa
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