6 de dez. de 2010

Capitulo 15

Posted by sandry costa On 12/06/2010 1 comment


  Orvalho na grama, frio que levanta


Sophia
Estava fresco sob as árvores, o dia raiara cedo e eu e Lizii saímos de nosso abrigo noturno para continuar a caminhada até uma pequena vila que ficava ao norte... era uma vila antiga e cheia de magia e encanto. Outrora fora uma morada de grandes mestres feiticeiros onde sabedoria e conhecimento recheavam as ruas, entretanto, a cidade fora atacada por bruxos das trevas e quase que totalmente destruída.
Agora, restaram poucas pessoas mágicas por lá, mas uma delas me interessa. Sebastiana é uma feiticeira antiga e foi minha mãe for a sua discípula... ela deverá saber onde eu posso encontrar a Mestre das Tradições de minha Ordem e só assim meu coração se aquietara novamente. Eu não compreendo a necessidade de minha viagem e o destino me é desconhecido, até mesmo a companhia de uma elfa me foi uma surpresa sem precedentes... mas sinto que eu e Lizii ainda teremos uma longa história juntas.
Aldebrand é o nome da vila onde Sebastiana mora, minha mãe havia me advertido quanto à cidade, ela dissera que muitas criaturas obscuras vão até lá em busca dos conhecimentos antigos e que eu deveria tomar cuidado com quem conversava... uma sombra cobre a cidade e em muitos lugares não se deve pisar. Há boatos de que a própria Sebastiana se tornou uma feiticeira sombria... mas eu não desejo seus conhecimentos, apenas um ponto de referência para encontrar o que procuro.
Como sempre, Lizii caminhava sorrateira atrás de mim, os passos leves de elfa sem fazer qualquer ruído, eu apreciava a companhia silenciosa de Lizii e até preferia assim, nunca gostei de pessoas que falam demais. Entretanto, mesmo com a presença dela, meu coração se apertava com algo e eu não sabia o que era... como uma mão invisível comprimindo meu coração... uma sombra escurecendo minha visão.
Algo estava para acontecer... algo muito ruim.

Finalmente, contornamos a floresta através de uma antiga estrada feita de pedras brutas mal cortadas em paralelepípedos, era uma estrada velha e sábia que já havia visto muitos viajantes; ela conduziu-nos através de um declive acentuado pela encosta de uma montanha, a descida inclinava-se mais a medida que o caminho se prolongava, a vista era linda; havia neblina no baixo-vale, o céu estava azul turquesa e os pássaros cantavam eu sua fala musical e silvestre. Lizii se alegrou pelo caminho ser tão belo e sussurrou uma canção em sua própria língua, mas eu sabia, que apesar de linda, a canção era muito triste.
Logo, entretanto, o caminho aprofundou-se na floresta e tudo ficou escuro e tapado pelas folhas das árvores tornando-se úmido e frio e a estrada era limosa e escorregadia, os raios do sol não chegavam até aqui e meu coração ficou pesado.
- As árvores são desconfiadas por aqui... – disse Lizii de repente sondando a floresta com temor.
- Sim, elas viram um grande mal há muito tempo atrás...
- Um grande mal?
- Aldebrand era um lugar lindo e recheado de brilho, magia e conhecimentos... Mas um bruxo poderoso tentou tomar para si o conhecimento dos feiticeiros que habitavam aqui... e houve luta e caos e destruição fazendo com que a vila fosse atirada sobre uma sombra constante e maldita. Aqui era o lugar de morada de Marcela Folhemflor, a Mestre das Tradições de minha Ordem, mas ela partiu a séculos depois que Aldebrand caiu em desgraça.
- Uma pena... – suspirou Lizii.
- Que bruxo era esse?
- Eu não sei seu nome, ele ganhou a alcunha de “O Sombrio”, e seu nome verdadeiro foi varrido dos livros de magia, dizem que nenhum humano pode pronunciá-lo...
- Ele foi morto?
- Não, continua vivo... só que ninguém sabe onde. Mais poderoso que nunca.
- E porque ele nunca mais surgiu?
- Não sei...
A manhã se foi rapidamente e o sol incidia reto sobre o mundo, mesmo assim não conseguia iluminar o interior da floresta sombria, aqui as árvores eram velhas e o musgo e o limo cresciam em seus troncos; Lizii resolveu parar um pouco e nós tivemos um almoço bastante frugal, confesso que sinto falta da comida da minha mãe.
Logo após nossa refeição leve, seguimos caminhando pela estrada escura por vários quilômetros ainda, o caminho serpenteava através da montanha sempre nos conduzindo para baixo, Lizii estava apreensiva e segurava com força a ponta de seu arco e um outro objeto que eu não pude ver qual era. Subitamente, a floresta se abriu do lado direito, como uma janela para o céu, lá, um pouco mais abaixo nós pudemos ver... a pequena vila de Aldebrand.
Daqui do alto parecia um pequeno povoado, cujas casas construídas de barro e com telhados de palha erguiam-se desordenadas umas distantes das outras; a vila toda tinha um tom acinzentado e monótono, um monocromático obsessivo que desanimava qualquer um que olhava para ela. As estradas eram de terra batida e pareciam enlameadas pela umidade constante, não pude deixar de notar que os raios do sol se mantinham afastados da vila, ao que parecia, a maldição então era verdadeira e uma eterna sombra habitava o pequeno vilarejo.
- Eu realmente não gosto deste lugar... – disse Lizii desconfortável.
- Eu tampouco – respondi num suspiro – Mas preciso ir até lá para descobrir onde mora Marcela.
- Entramos, descobrimos... e saímos o mais rápido possível.
- Concordo plenamente.

Pouco antes de entrar no vilarejo nos deparamos com campos mal cultivados onde hortaliças estragadas brotavam pequenas pela falta sol, a luminosidade aqui era fátua e parecia muito um leve anoitecer; na entrada da cidade havia uma casa, uma espécie de comércio de carnes e couro curtido onde se viam animais pendurados sento estripados por um homem grande, gordo e completamente sujo... havia moscas por toda a parte.
- Por Glorindür – disse Lizii baixinho invocando o nome de algum de seus deuses – Este lugar é horrível.
- Vamos logo.
Havia pessoas, mas eram sujas e mal encaradas e mesmo as crianças tinham um brilho estranho nos olhos, as ruas pareciam rios de lama e minhas botas e vestes ficaram todas sujas, meu vestido passou a pesar dezenas de quilos a mais e até caminhar era difícil; invejei Lizii, seu passo leve de elfa a fazia caminhar quase sem deixar qualquer marca pela lama. Resolvemos perguntar a algum habitante local onde era a casa de Sebastiana.
Olhando ao redor, vi uma senhora de idade sentada em frente a um casebre miserável e decidi que era melhor falar com uma pessoa velha que provavelmente sabia da vida de todos. Ao nos aproximarmos, ela nos olhou de alto a baixo e pareceu não se surpreender com Lizii, afinal, a elfa usava sua forma humana, entretanto, a mulher observou demoradamente a meia lua em minha testa... o sinal de feitiçaria.
- A senhora poderia me informar onde mora Sebastiana?
A velha não respondeu, apenas voltou seu rosto para a estrada de lama e apontou para um lugar muito distante onde o caminho se ocultava novamente na floresta, em seguida, a velha levantou-se e entrou na casa fechando a porta em seguida, quando retornamos para a estrada percebemos que não havia mais ninguém à vista... estavam todos fechados e enclausurados dentro de suas cabanas.
O único som era do vento, uivando como um lobo ferido.
- Eu realmente não gosto daqui, há algo ruim neste lugar... algo maligno – disse Lizii.
- Vamos logo – eu disse sentindo um arrepio.

O caminho lamacento nos conduziu novamente para o interior da mata fechada, se o dia aqui já era escuro ficou ainda pior, algumas centenas de metros depois, a estrada tornou-se um mero carreiro entre o capim alto que corria pelo meio da floresta, um capim estranho... de um tom azulado e etéreo, parecia qualquer coisa menos capim e parecia fluir numa luminosidade opaca como um campo de luzes fantasmagóricas.
Lizii aproximou-se mais de mim.
Depois de alguns minutos chegamos a uma clareia aberta no meio da mata, lá, no centro, uma cabana tão miserável quanto as outras erguia-se precariamente em sua estrutura de madeira e feno... o campo de capins luminosos era mais forte ali lançando para todos os lados uma luz lúgubre e assustadora... parecia algo sobrenatural... um lugar de espíritos.
- É aqui? – perguntou Lizii receosa.
- Sim... há magia emanando deste lugar – eu respondi baixinho.
Caminhamos com cuidado até a porta da cabana, bati uma única vez e a porta se abriu sozinha com um rangido agourento ecoando pela clareira, estava escuro lá dentro e um estranho fogo azulado queimava numa lareira decadente. Entramos e sentimos um ar velho e rançoso como se a casa estivesse fechada a anos... talvez séculos.
A cabana, de um só cômodo era apinhada de coisas estranhas... folhas de papel amareladas e escritas estavam espalhadas pelo chão, inscrições em linguagem mágica cobriam as paredes e haviam jarros e potes com centenas de cores diferentes... o silêncio era pleno e tão absoluto que urrava em protesto à nossa respiração.
- Uma feiticeira pura... – disse uma voz espectral de algum lugar no cômodo escuro.
- Eu procuro Sebastiana...
- Há muitos anos eu não ouço este nome... – disse a voz.
- Ela foi mestre de minha mãe Melina e agora eu venho até ela em busca de informação.
- Eu me lembro de sua mãe, Sophia. Uma feiticeira muito habilidosa, mas, pelo visto, sua filha parece possuir um poder muito maior.
- Você é Sebastiana? – perguntei receosa.
- Eu fui... há muito tempo... antes da sombra...
Então, a mulher saiu de da escuridão para a claridade da lareira, alta e extremamente magra, usava um vestido velho e puído que talvez um dia tenha assumido uma coloração roxa, o rosto era oculto por um véu negro e os cabelos caiam-lhe desgrenhados até a altura da cintura. A voz, num tom angelical, era parecida com a minha...
- Agora eu não lembro bem de meu nome antigo ou de minha Ordem... eu a deixei a muitos anos, depois que a Sombra se alojou nesta Vila esquecida por todos – disse Sebastiana.
- Eu preciso apenas de uma informação, minha senhora... Preciso saber onde mora Marcela Folhaemflor, a Mestre das Tradições da Ordem das Feiticeiras Puras.
- Marcela? Ela partiu há muito anos daqui em direção ao mar... mas porque você busca Marcela? Você ainda não tem idade para encontrá-la ou reivindicar mais conhecimentos... ainda é muito jovem... muito jovem...
- Estou em uma busca que não compreendo... os conhecimentos de Marcela me serão úteis... nem que seja apenas para me aconselhar sobre meu caminho – eu respondi hesitante.
- Seu caminho é sombrio, Sophia... eu mesma posso senti-lo. Você terá de fazer escolhas difíceis pela frente e cada obstáculo se mostrará maior que o outro... você está prestes a conhecer sua verdadeira face... sua verdadeira história... e mesmo o brilho claro da amizade com uma Elfa da Luz não vai impedir que você caia.
- Eu agradeceria se apenas me indicasse o caminho para a casa de Marcela – eu respondi surpresa por ela ter descoberto Lizii.
- Eu indicarei... é claro. Mas, contudo, não sem um preço.
- Apenas feiticeiras sombrias cobram preços, Sebastiana.
- Como eu disse, pequena Sophia, não sou Sebastiana há muito tempo.
- E o qual é o seu preço? – eu perguntei, afinal, saber não faria nenhum mal.
- Eu preciso enviar uma carta a um velho amigo, mas, como podem ver, não tenho mais condições de deixar minha casa – ela disse e com um gesto veloz retirou o véu que lhe cobria o rosto, eu e Lizii olhamos horrorizadas para um rosto belo e jovem, mas, tragicamente, seus dois olhos haviam sido arrancados e tudo o que restara foram duas cavidades vazias.
- Quem fez isso? – eu perguntei assustada.
- Foi há muito tempo, durante o ataque dos Magos das Sombras em Aldebrand, naquela época distante eu auxiliei as Feiticeiras Puras contra o ataque, mas fomos derrotadas... Marcela se exilou no mar... arrancaram minha visão... e amaldiçoaram Aldebrand e seus morados a viverem sobre um manto eterno de escuridão.
- Sinto muito por ouvir isso... e você nunca tentou retirar esta sombra que paira sobre a vila?
- Tentei... mas meu poder foi insuficiente. Mas então, Sophia... filha de minha aluna... você me faria o favor de levar uma carta ao meu amigo?
- E onde mora esta pessoa? – Perguntei desconfiada.
- Ah, ele se chama Felix... e mora aqui perto, na Floresta dos Insones. Há um dia de caminhada e por sorte, na mesma direção que você seguira para encontrar Marcela, ele ficou de vir até aqui, mas infelizmente foi impedido por algum compromisso importante.
- Ele é um bruxo? – eu quis saber.
- Não.. não... não é um ser mágico.
- E o que teremos que levar até ele? – perguntei novamente par aconfirmar se tratava-se apenas de uma carta.
- Isto.
E ela tirou – de algum lugar das vestes – um pergaminho enrolado e selado com um lacre vermelho de cera. Parecia bem antigo e eu avaliei o favor, talvez, no fim das contas, Sebastiana tenha apenas desistido da Ordem e não que tenha se tornado uma feiticeira sombria, além disso, pelo que ela mesma disse, nosso caminho passaria por perto de onde esse Felix residia e era um pequeno favor para a informação que eu buscava. Era apenas uma carta a um amigo.
Só não entendo por que meu coração ficou pesado.
- Precisamos apenas entregar isso a seu amigo? – perguntei
- Apenas isso.
- Aceite – disse Lizii me olhando e sabendo que era importante para mim.
- Está bem... levaremos isso ate seu amigo, em troca do paradeiro de Marcela.
- Perfeito minha querida... perfeito – Sebastiana disse sorrindo e sua voz se tornou espectral momentaneamente – Felix reside no centro da Floresta Insone... caminhe pela trilha até encontrar uma sequóia milenar e altíssima, em suas raízes mora Felix. Agora, para encontrar Marcela... siga até o litoral onde o Mar é azul como o céu, caminhando rumo ao leste você encontrará uma pequena comunidade de pescadores... lá vá até um velho homem chamado Caronte, ele a levará até Marcela.
- Obrigada, Sebastiana... e Adeus – eu disse pegando o velho pergaminho de suas mãos.
- Adeus, filha de minha última aprendiz... e Obrigada.
Antes de sair eu lancei uma ultima olhada a Sebastiana, sua face perfeita e mutilada guardava um sorriso estranho nos lábios que fez minha alma congelar, ao sairmos para o campo iluminado pelos estranhos capins fluorescentes, a porta fechou-se automaticamente à nossa saída e descobrimos que a tarde já estava baixando sobre o mundo.
- Vamos logo, não desejo estar aqui quando a noite chegar – disse Lizii preocupada.
A cidade estava deserta quando passamos e eu realmente fiquei feliz quando iniciamos a subida para sair deste túmulo, imagino como as pessoas deste lugar vivem... sempre entristecidas e sempre ocultas pela sombra sempiterna que paira sobre elas. Eu tentei, em vão, buscar esperança para Sebastiana mas não consegui, ela agora pertencia a um mundo cinzento onde as cores tinham sido banidas totalmente por uma desgraça antiga.
- Você confia nela? – perguntou-me Lizii enquanto caminhávamos pela estrada de pedra.
- Não muito... mas acho que ela não estava mentindo.
- Porque não usou seu dom nela? Com o poder de sua voz poderia forçá-la a dizer a verdade... se é que estava mentindo.
- Não era certo, ela foi uma feiticeira de grande poder e apesar de ter decaído ainda havia força nela, se eu fizesse isso a estaria insultando e sabe-se lá o que ela poderia fazer contra nós duas.
- O que será que este pergaminho diz?
- Não sei, Lizii... talvez uma carta de amor? – eu disse rindo.
- Sophia... romântica até quando está sendo irônica.
- Boba, e você que nunca alivia... sempre mantendo este escudo protetor em volta de você.
- Ai ai... – suspirou Lizii – Não começa por favor... estou com dor de cabeça por causa daquele lugar miserável.

E assim a noite nos encontrou quando chegávamos no topo da montanha e começávamos a seguir rumo ao litoral, passando pela Floresta Insone a fim de deixar a encomenda de Sebastiana a seu amigo Felix. Eu estava cansada apesar de que Lizii não demonstrou qualquer sinal de estafa, elfos quase nunca se cansavam ao contrário dos humanos, sendo assim, encontramos um lugar seco em meio às raízes expostas de uma grande árvore e nos recolhemos sob a proteção de suas folhas.
- Espero que encontremos Marcela... e que ela me receba... – eu suspirei sonhando.
- Por que ela não a receberia? – quis saber Lizii.
- É proibido feiticeiras jovens como eu se encontrarem com a Mestre das Tradições, espero que ela me ouça para esta viajem valer a pena... se bem que eu já encontrei você, Lizii... o que já fez valer a pena.
- Fico feliz de tê-la encontrado também Sophia... – ela respondeu com um sorriso.
- E me conta, então... como pretende voltar para sua casa?
- Não sei nem ao menos se resta uma casa para voltar... – ela falou triste.
- Lizii, você pode confiar em mim... – eu disse numa tentativa de fazê-la se abrir, eu sabia o quanto ela sofria e queria que ela compartilhasse suas preocupações – Sei que sente falta de sua casa...
- Sinto... Arda é um lugar encantado além desta dimensão dos homens – ela disse e seus olhos se perderam no espaço entre suas próprias lembranças – Imagine um céu onde o azul se mescla numa miscelânea de turquesa e rosa... as florestas são vastas e infinitas e não há a degradação causada pelo ser humano; os elfos amam as florestas e jamais destruiriam uma única árvore. Meu pai é o Senhor do Vale Flutuante, uma ilha solitária que se ergue no meio do Lago Resplandecente donde a água é tão cristalina que parece um espelho refletindo o céu, isso dá a impressão que a ilha flutua no ar.
- Lá ergue-se o Palácio de Kendon – continuou Lizii -  Feito de pedra branca, lá moram meus pais e meu irmão... e lá mora o meu coração.
- Deve ser lindo... – eu suspirei.
- Sim... muito.
- E porque você foi banida para cá?? Digo, você falou que estava se escondendo.
- Verdade... eu paguei pelo preço do meu pecado – disse Lizii tristemente.
- Que foi que você fez? – perguntei interessada.
- Me apaixonei...
- Se apaixonou? E desde quando isso é um pecado?
- Há muito tempo – começou Lizii e eu me calei sabendo que ela estava prestes a contar sua história – Eu fui amiga de Elariannä, A Imperatriz Menina... uma Elfa milenar mas que permaneceu com o corpo de uma criança, ela era extremamente sábia e uma elfa bondosa e cheia de luz; certa vez foi atacada pelas Bruxas de Moroin, feiticeiras negras que cobiçavam e odiavam a luz de Elariannä, eu fui auxiliá-la na guerra que vencemos no fim, mas, antes de tudo terminar, um feiticeira me lançou no espaço-tempo e eu vim parar no mundo dos homens. Vaguei perdida durante anos neste mundo estranho.
- Então você já esteve aqui antes? – perguntei não me contendo.
- Muito antes de você nascer Sophia... muito antes de seus pais ou seus avós nascerem... foi a centenas de anos na contagem dos humanos. E foi nesta época que eu o conheci... e me apaixonei. Eu caminhava errando pelo mundo, sem qualquer direção e sem qualquer esperança de retornar... quando dei por campos lindos onde vinhedos ancestrais cresciam produzindo vinho em fartura numa região bela e próspera. Lá, ele me encontrou em uma de suas viagens pelas terras de seus mestres.
- Lembro – continuou Lizii – Que me assustei quando o vi pela primeira vez, era veloz como o vento, sua pele refulgia à luz do sol como um diamante bruto, seus olhos eram rubros como o sangue e seu cheiro inebriante, era belo numa escala absurda e parecia tão jovem... extremamente jovem... mas não era mais um menino, sua beleza era atemporal e absurda até mesmo no mundo de Arda.
- Uau – eu suspirei encantada – Como ele se chamava?
- Alec... – respondeu Lizii num outro suspiro – Alec Volturi.
- Vampiro... – eu suspirei.
- Sim... um vampiro... demônio de olhos vermelhos. Os mesmos que invadiram as terras de meu pai e ameaçaram tomar Arda através da cobiça dos três reis vampiros que habitam este mundo.
- Como aconteceu? – eu quis saber, minha curiosidade perdera os limites.
- Eu segui Alec para sua casa, um palácio descomunal e belo, recheado de encantos, conhecimentos e luxo, não tinha o esplendor da casa de meu pai, mas, ainda assim, era encantador. Alec me apresentou a seus mestres e sua irmã Jane, ali eu permanecei durante longo tempo enquanto era bem tratada e cuidada pelos três irmãos Volturi; obviamente eu e Alec passávamos muito tempo juntos e o amor floresceu entre a elfa e o vampiro. Eu era muito mais velha que ele, mas Alec também era um imortal e nós acabamos nos amando, obviamente eu não sabia o que era um vampiro até o momento em que o conheci e só depois de algum tempo, perdida de amor, eu tive minha primeira decepção... descobri do que vampiros se alimentam.
- Sangue humano – eu sussurrei.
- Exato... certa noite eu fui atrás de Alec, curiosa por sua ausência e desci até os salões dos Volturi... para descobrir uma orgia de sangue e morte... inúmeros cadáveres secos, dessecados... fugi dali no mesmo instante. Mas eles vieram atrás de mim... Aro, Caius e Marcus, os três reis vampiros tinha ânsia de meu poder, do poder dos Elfos e viam uma possibilidade de conquistar mais poder se pudessem chegar a Arda.
- Fiquei prisioneira durante muito tempo no palácio deles, Alec jurou que me amava e que não co-participava das ambições de seus mestres... mas eu não acreditei nele. Por azar, e eu realmente acho um azar imenso, Elariannä, minha amiga querida, conseguiu me levar novamente para Arda através de encantos élficos, mas, infelizmente, isso deixou uma brecha extra-dimensional que possibilitou a ida dos vampiros para Arda.
- Não havia se passado nem um ano desde que eu retornara quando eles chegaram. Havia uns 50 vampiros mais ou menos... exércitos inteiros foram dizimados... Elfos milenares e de conhecimentos imensuráveis morreram na luta...
- Vampiros são tão poderosos assim? – eu perguntei.
- Sim, Sophia... são. Imagine uma criatura imortal, veloz como a luz, forte como cem homens, com uma pele marmórea quase intransponível... alie estas características ao fato de que muitos deles possuem dons especiais e você terá uma máquina de guerra e morte perfeita. Alec, por exemplo, tinha o dom de privar seus oponentes dos cinco sentidos... sua irmã causa uma dor excruciante a um oponente à centenas de metros. Creia, minha amiga, vampiros são a pior praga que há sobre o mundo dos homens.
- Que horror... mas Alec estava lá também?
- Não, ele não foi junto. Sua irmã estava lá. Mas ele não.
- E como tudo terminou?
- Elariannä, A Imperatriz Menina, estava de posse do Cristal dos Mil Caminhos... uma ônix negra que, aliada aos encantos dos Elfos, pode abrir as passagens dimensionais permitindo a quem o carrega viajar para outros mundos. Quando percebi que Arda corria perigo, tomei a pedra de Elariannä e, sozinha, durante uma batalha onde meu irmão tombara, abri o portal e joguei os vampiros e a mim mesma no vácuo dimensional... trazendo meus inimigos novamente para o mundo deles.
- Seu irmão...? – eu perguntei não querendo saber a resposta.
- Eu não sei – respondeu Lizii tristemente – Espero que esteja bem.
- E o Cristal?
- Eu o perdi... pode estar em qualquer lugar deste mundo.
- Sinto muito por tudo isso Lizii.. mas não acho que tenha sido sua culpa.
- Eu me apaixonei por um vampiro, Sophia. Pelo pior dos vampiros e os atraí até meu mundo levando desgraça e perdição... agora nem sei mais se poderia voltar... perdi meu coração, meu mundo e tudo o que amava.
- Bem, Alec não participou da invasão... então talvez ele tenha feito isso por amá-la.
- Não importa mais agora.
- Eu a ajudarei a encontrar o Cristal dos Mil Caminhos, Lizii, para que você possa voltar para casa – eu disse sorrindo e segurando sua mão.
- Obrigada, Sophia... de todas as coisas ruins que aconteceram em minha vida, você é a única coisa boa que me surgiu.
E nós sorrimos uma para a outra, deitadas sob a árvore centenária... eu ajudaria Lizii a voltar para casa, assim que descobrisse o fim de minha estranha busca. Eu demorei muito a dormir, pensando em tudo o que Lizii acabou de me revelar, era muita informação para uma noite só; eu olhei para o lado e Lizii suspirava enquanto dormia. Os elfos dormiam de forma estranha, sempre de olhos abertos admirando o brilho das estrelas longínquas e seus ressonar parecia uma canção doce como o som de uma cascata de água sobre as rochas de um rio.

Acordamos antes da aurora e permanecemos caminhando até o sol nascer por completo, a floresta, entretanto, continuava sombria e misteriosa... seguimos o caminho limoso de pedras mal recortadas até encontrar uma encruzilhada, três caminhos nós avistamos: o da direita seguia para o litoral, o do centro seguia rumo ao norte do estado e o da esquerda fazia uma retorno longo através de um pântano pegajoso.
Por sorte, seguimos rumo ao litoral apesar de eu saber que o mar ainda estava muito distante, algumas horas depois, pouco antes da refeição do meio dia, entramos na Floresta dos Insones que carregava este nome devido às suas árvores muito altas que zuniam e estalavam seus galhos por causa do vento forte que soprava; parecia que a floresta inteira se comunicava nesta estranha conversa de zunir e estalar...
Lizii sentiu-se desconfortável imediatamente ao por os pés nesta floresta.
- Não sei não – disse ela – Mas tenho a nítida impressão de que estamos sendo vigiadas.
- São as árvores...
- Não... não são, as árvores daqui são ainda mais desconfiadas, elas não me revelam nada, mas parecem estar ansiosas com alguma coisa.
Havia uma pequena colina na floresta de onde avistamos a árvore alta que Sebastiana falou, uma sequóia gigante no auge de seus 40 metros de altura, imponente e majestosa, ela crescia no centro da floresta e sua copa era coroada por uma bruma etérea; parecia uma palácio real... a rainha de todas as árvores da mata. Mas, estranhamente, meu coração sentiu um aperto de apreensão quando eu a avistei.
Levamos boa parte do dia cruzando a mata escura para chegar à sequóia, nossos corações pesavam no peito devido à sombra constante da floresta, percebemos que a tarde já caía e este fato despertou uma preocupação ainda maior em Lizii.
- Eu realmente não gostaria de ficar nesta floresta durante a noite.
- Talvez seja apenas um medo bobo – eu respondi sem a menos convicção.
- Talvez não... há um cheiro estranho nesta mata, um cheiro que eu conheço e desconheço...
- Por que os elfos sempre falam através de enigmas? – eu perguntei mas Lizii apenas fungou em resposta.
Quando o sol ameaçou se pôr, nós finalmente começamos a encontrar as raízes imensas da árvore, estendiam-se por centenas de metros e tão grandes e altas quando eu e Lizii, aquilo me deixou apreensiva, eu jamais vira uma árvore tão grande e tão poderosa, era uma entidade viva que parecia governar toda a mata ao seu redor. Lizii ficou ainda mais nervosa e puxou de seu cinto o pequeno objeto prateado que carregava, parecia um cabo de espada sem lâmina...
- Sinöroë ash catûën... – sussurrou Lizii e com um faiscar de luz uma espada surgiu, a lâmina emanou com um brilho frio como o de estrelas distantes e depois apagou-se revelando um metal azulado e sibilante com inscrições élficas espalhadas pela lâmina afiada.
- Uma espada? – eu disse encantada.
- Também tenho meus truques na manga – ela disse piscando – E agora realmente não gosto deste lugar.
- É apenas uma árvore.
- Eu sei Sophia... mas Sebastiana nos pediu para vir até aqui encontrar a casa de um amigo... você está vendo alguma casa?
- Não... – eu sussurrei me preparando para qualquer coisa.
- Vamos sair daqui.
- Eu não posso quebrar a minha palavra, prometi que traria o pergaminho e a palavra de uma Feiticeira de Dahuman é inquebrável...
- Ela se tornou uma bruxa... não é mais uma feiticeira. Tem algo de errado aqui, Sophia... eu sinto isso nos ossos...
Então, subitamente, algo veloz passou por nós, tão veloz que nem sequer pude discernir o que era... o ar se encheu com o som suave como o de uma brisa soprando sobre a grama, um cheiro doce de flores silvestres me tocou e eu senti o medo me atingir... Lizii assumiu uma expressão de horror no rosto, mas antes que pudesse falar qualquer coisa eu vi que uma sombra havia parado em nossa frente, sobre a raiz da grande árvore... nos olhava como uma ave de rapina, seu rosto coberta pela sombra da floresta... mas, ainda assim, um par de olhos vermelhos faiscou no fim do dia.
- Ah, Lizii... há quanto tempo. – disse a voz de um rouco profundo e irônico.
- Fique perto de mim... – disse Lizii.
- Ora, você não precisa temer pela vida de sua companheira, aliás, somos gratos a ela por nos ter trazido você. Sabe, procurávamos por toda a parte sem sucesso, os encantos de ocultamento desta feiticeira são realmente muito bons, conseguem enganar até mesmo nós. – disse o vampiro e eu notei que mais cinco sombras estavam paradas nos olhando do alto.
- O que querem? – gritou Lizii.
- Você, minha cara elfa – disse o vampiro saltando para o chão à nossa frente e se mostrando completamente, era alto e forte, o rosto belo e austero e sua pele fulgurou com os últimos raios solares.
- Felix Volturi... – sibilou Lizii.
- Volturi? – eu perguntei à iminência do nome.
- Sim... e acho que você tem algo para mim, não é mesmo, bela Sophia? – disse o vampiro sorrindo, automaticamente eu agarrei o pergaminho de Sebastiana e rasguei o lacre... havia uma única palavra escrita nele: “sinto muito”.
- Ela nos traiu – eu falei sem ar.
- Claro – gargalhou Felix – Ela tornou-se uma feiticeira sombria há muito tempo, pequena Sophia, é uma aliada muito eficaz de meus mestres... agora, Lizii, querida, onde está o Cristal dos Mil Destinos? Meu mestre Aro tem o desejo de dominar o seu mundo ainda e para isso, precisamos do cristal.
- Não está comigo, Volturi... – disse Lizii se enfurecendo – E mesmo que estivesse, eu jamais o entregaria a você, deixe-nos ir... não tenho assunto algum a tratar com vampiros...
- Uma pena que as coisas não se resolvam de uma forma tão simples... – disse o vampiro.
- Eu cuido dele... detenha os outros... – sussurrou Lizii.
Eu realmente fiquei espantada com esta ação, Lizii, com a espada em punho, assumiu sua verdadeira forma mágica e atirou-se sobre um Felix gargalhante... eu fiquei cara a cara com quatro vampiros ávidos por sangue, seus olhos vermelhos me perscrutando com cobiça... não tive escolha a não ser atacá-los no momento em que tentavam o bote sobre mim. Por sorte, eles não usaram sua velocidade descomunal... pensaram, talvez, que eu fosse totalmente vulnerável a eles... o que me deu tempo de invocar um encantamento poderosos e antigo.
Senti meus olhos arderem com o brilho emanado do poder, flutuei levemente alguns palmos do solo e minha aura emanava um vento ruidoso afastando as folhas das árvores... os vampiros pararam interessados em meu movimento... sutilmente eu invoquei a magia.

Oh, mata antiga e fechada...
Floresta sombria, floresta armada...
Oh, espíritos predestinados a vagar pelas folhas...
Folhas que cortam... folhas que lascam... folhas que sangram
A Seiva sagrada.
Oh, mensageiro aéreo da força... vento que brande... vento que range...
Liberta a fúria contida no grão, na semente... na nervura do caule.
Empreste-me a força da mata, do solo... da raiz que tange
Oh, mata antiga e fechada...
Invoco sua presença... socorre-me e auxilia-me
E destrói o  inimigo que me ataca.

- Não deixem que ela invoque o feitiço... destruam a feiticeira – berrou Felix para os companheiros se batendo contra Lizii – Destruam-na idiotas...
Mas era tarde demais, o feitiço estava feito e antes que os vampiros se movessem um ronco alto encheu o ar, um ronco assustador como se algo gigantesco estivesse se movendo na plenitude de sua força, eu senti o medo me invadir porque pude perceber a fúria da floresta se erguendo. Logo, as raízes da imensa sequóia se ergueram no ar, revolvendo a terra, vincando o solo e levantando-se como um monstro descomunal espalhando terra para todos os lados... os galhos chacoalharam-se e as folhas se dobraram... o vento soprou alto e a árvores inclinou-se no céu em toda a sua plenitude.
Parecia um gigante de cem braços... uma hecatombe de força e fúria.
As raízes tão largas quanta a casa dos homens agitaram-se no ar atirando-se sobre os vampiros que usaram sua velocidade para tentar escapar, Felix deixou Lizii de lado e saltou pelo ar sendo atingido por uma raiz veloz... o vampiro foi atirado para longe com a força descomunal da árvore.
Eu estava no centro deste caos, flutuando enquanto meu corpo emanava a aura de energia... mas isso não era bom, para controlar o feitiço eu queimava minha força mágica e isso me exauria, normalmente, em feitiços pequenos eu nem sentia a fadiga... mas controlar  a força de uma árvore centenária tão gigantesca estava me consumindo rapidamente.
Os vampiros se afastaram um pouco e nos olhavam com raiva procurando uma brecha entre as raízes vivas que chicoteavam o ar... mas como eu não podia manter isso por muito tempo, com minhas forças terminando, as raízes das árvores começaram lentamente a cair no solo e eu não conseguia mais controlá-las. Lizii percebeu minha fraqueza e, antes que eu pudesse desfalecer, ouvi sua voz élfica se erguer em fúria com palavras antigas pronunciadas em sua própria língua.
Neste instante ouvi um uivo alto e assustador, como uma tempestade de vento se formando ao mesmo instante em que a sequóia desprendia de seus galhos centenas de milhares de folhas. As folhas giraram no ar e impelidas pelo vento atiraram-se com uma velocidade absurda conta os vampiros... as folhas agora pareciam pequenas lâminas verdes que seriam capazes de varar até mesmo a couraça de cristal dos vampiros.
Por uma sorte imensa... deu certo. As folhas atiradas contras os inimigos surtiram efeito e os vampiros foram obrigados a recuar... eu, então, liberei o meu encantamento e Lizii me puxou para sairmos dali. Enquanto as raízes enormes caiam do céu sobre nossas cabeças, corremos aos trancos e barrancos para o meio da mata, o chão chacoalhando sob nossos pés á medida que as raízes se reacomodavam novamente no interior da terra, eu estava à beira de desmaiar e me senti culpada por Lizii ter de suportar também o peso de meu corpo.
- Eles vão nos alcançar... são rápidos demais... – eu disse nervosa.
- Precisamos tentar assim mesmo... – ela respondeu ofegante.
- Ainda assim foi impressionante... quase me matou de susto.
- A mim também, acho que exagerei na invocação do vento – ela disse sorrindo nervosa.

Corremos ziguezagueando pelas árvores da floresta escura, meu corpo todo doía e eu respirava com dificuldade devido ao esforço do encantamento... Lizii me puxava tentando fazer com que eu me apressasse, mas, exausta, eu quase não conseguia acompanhá-la. Finalmente,  depois de um período não muito longo, começamos a ouvir o ar uivar ao nosso redor...
- Maldição... nos encontraram – sibilou Lizii.
Antes de qualquer reação, um mostro de olhos vermelhos pulou em nossa frente, eu vi a lâmina de Lizii brilhar e ser erguida como um relâmpago em direção à cabeça do vampiro, a espada de luz deixou uma trilha luminosa no ar enquanto a cabeça do vampiro era decepada.
- Você matou um! – eu exclamei ansiosa enquanto corríamos desesperadas.
- Não... eles voltam à vida ainda... temos que correr, mas acho que não temos saída.
- Precisamos de uma clareira... preciso de um lugar aberto...
- Para quê? – pergunto Lizii com urgência.
- Preciso de capim ou grama... qualquer campo que tenha juntado orvalho da madrugada.
-Você consegue mais um feitiço?
- Não sei...

Durante a corrida, ouvíamos os vampiros gargalhando... eles brincavam conosco... tentavam nos fazer cansar, o vento uivava em meus ouvidos e eu via reflexo de olhos rubros aonde quer que olhasse. Então, finalmente, conseguimos encontrar um pequeno descampado com não mais que 50 metros de diâmetro... mas teria que servir.
Enquanto Lizii me arrastava para o centro da clareira eu passei a mão pelo mato ralo que crescia ali e fiquei feliz de constatar a umidade noturna acumulada no campo... Lizii parou e eu malmente consegui ficar em pé, a correria havia consumido minhas forças depois do feitiço na floresta. Mas, ao pararmos, eu vi os vampiros nos rodearem, Felix caminhava em nossa direção com um olhar assassino no rosto.
- Vamos, Lizii... não precisa terminar assim.
- Não se aproxime, Felix – disse Lizii se preparando para o ataque.
Neste momento, eu me ajoelhei... esparramei as duas mãos espalmadas para o solo tentando captar toda a umidade que havia se acumulado ali... era hora de tentar mais um feitiço, eu sabia que eu não conseguiria suportar por muito tempo e que ele não seria eficaz, mas ao menos nos daria tempo de pensar em outra coisa. A aura de magia tomou conta de meu corpo e meus olhos brilharam numa luz clara... era hora de invocar o encantamento.

Orvalho na grama, frio que levanta... calor que espanta.
Noite sem lua, estrelas... noite escura que espreita
Solo que acoberta os mortos... sepulta os vivos que choram
Lágrimas do céu que banham os mortais...
Clamo a força... inovo a forca... imploro o empréstimo
Da terra que não oferece abrigo quente
Dos céus cujo canglor soa destoante...
Eu invoco, para proteger a mim e minha irmã...
A impenetrável e poderosa... Barreira Fulgurante.

E com um sibilo o orvalho ergueu-se do solo a uma altura imensurável, espiralando-se no ar como gelo vaporizado envolveu nós duas e fechou-se ao nosso redor como um círculo de proteção. O orvalho cintilava unido como uma imensa parece de vidro brilhante... cintilava na noite protegendo a mim e a Lizii, imediatamente eu senti minhas forças sendo consumidas pelo esforço de manter a Barreira Fulgurante... mas eu teria que agüentar.
Felix, receoso pelo encanto, correu para nós e socou com toda a sua força a Barreira... mas seu esforço foi em vão; a proteção encantada não cedeu um centímetro sequer, o golpe de Felix não foi capaz de arranhar esta parede transparente de orvalho enfeitiçado. Os outros vampiros começaram, um a um, a atirar-se conta a Barreira... mas nenhum deles foi capaz de transpassá-la... foi uma feitiço bem executado e muito útil... mas tinha seu preço.
- Lizii – eu ofeguei – Não vou conseguir manter o feitiço por muito tempo...
- Eu não vejo nenhum saída... – ela falou assustada.
- Então... estamos perdidas.

E ali, caída no chão de uma floresta sombria eu pensei em minha casa... em meus pais... e em todas as coisas que eu ainda queria fazer; sentia que aquele era o fim e me arrependi de ter dado ouvidos a um chamado que eu mesma não compreendia. Agora, eu e Lizii morreríamos pelas mãos destes monstros de olhos vermelhos... não éramos fortes o suficiente para agüentar o ataque deles; pensei em vários encantamentos de ataque... mas não me restavam mais forças para executá-los.
Minha visão embaçou, minha audição começou a zunir e eu senti a barreira estremecer... os vampiros se aglomeraram à nossa volta... estávamos prestes a morrer, Lizii ergueu sua espada prateada, ela morreria lutando... tentei força um pouco mais de magia ao meu encanto mas isso apenas comprometeu ainda mais nossa proteção. Felix sorriu para mim.
- Eu não vejo a hora de provar o seu sangue, pequena feiticeira... linda como você é, deve ser doce como mel... – ele disse sorrindo com as presas à mostra.
Assim, eu me deparei com a morte... mas, no mesmo instante em que minhas forças terminaram, no mesmo instante em que perdi as esperanças, Lizii ergueu sua espada... e uma muralha de fogo se ergueu alta pelo chão e todo o campo ardeu em um fogo vermelho e extremamente quente: Lizii, poderosa elfa da luz, manipuladora dos elementos da natureza, invocara o fogo para nos auxiliar.
- Eles temem o fogo... apenas as chamas podem destruí-los... venha comigo, rápido.
E nós corremos, o mais rápido que podíamos enquanto as chamas lambiam nossas peles, um fogo ardido e parecia que corríamos na superfície do sol, então, com o calor descomunal das chamas aliada à minha exaustão com os encantos... eu não resisti e caí no chão. Lizii automaticamente refreou sua corrida desabalada e voltou para me ajudar, mas ela nem bem me pôs em pé e um vampiro pousou entre nós duas.
Rapidamente Lizii jogou seu corpo na frente do meu e o vampiro a atingiu com um golpe violento no ombro direito, mas Lizii, ágil como uma lince aparou o golpe com a espada evitando que o vampiro a atingisse diretamente, infelizmente, vampiros são extremamente poderosos e nós duas perdemos o equilíbrio caindo no solo. Mais dois vampiros nos cercaram e eu soube que este seria nosso fim... se algo a mais não tivesse acontecido.

Subitamente, uma explosão de luz branca nos atingiu e nos banhou a todos, parecia a explosão de uma estrela, algo absurdamente claro, tão claro quanto o brilho do sol e eu fiquei instantaneamente cega. Ouvi os vampiros gritarem em ódio e senti apenas uma mão forte me agarrar e me arrastar dali, senti que Lizii se mexia incomodada enquanto também era empurrada e deduzi que ela também ficara cega com o clarão.
- Fiquem quietas se desejam viver... – disse uma voz de homem forte e austera.
Percebi que entramos na floresta novamente, mas senti, depois de um tempo, que pisávamos em um lugar pegajoso e fétido... um pântano provavelmente; de repente paramos e o homem que nos guiava pediu para que nos abaixássemos... não fizemos isso, então, sem qualquer aviso, senti água sendo atirada em meu rosto e soube que o mesmo processo foi aplicado em Lizii... Minha visão melhorou consideravelmente depois disso.
- Venham... subam nesta árvore... rápido.
Ainda sem enxergar direito e sem forças eu não consegui nem ao menos levantar o braço, Lizii tentou me ajudar, eu ouvi um muxoxo de impaciência vindo do homem e senti um braço forte me segurar e me içar para o auto... quanto tempo subimos eu não sei, nem mesmo a altura em que estávamos.
Então paramos no local da árvore em que o tronco se abria como um cálice e os galhos fechavam tudo ao nosso redor...
- Quem é você? – perguntou Lizii
- Agora não... eles podem nos ouvir... não podem rastrear nosso cheiro nesse pântano... mas a audição deles continua boa... eles ficarão cegos por muito tempo... mas, ainda assim, não devemos falar até termos certeza.

Eu não tinha forças, Lizii encostou-se alerta contra o tronco da árvore e me puxou de encontro ao seu corpo laçando-me com um de seus braços, eu ouvi gritos de ódio vindos do interior da mata e logo o vento começou a uivar enquanto os vampiros nos procuravam pelo pântano afora. Vagamente, eu pronunciei um encanto simples de ocultamento para que eles não encontrassem a árvore que nos abrigava ou pudessem ouvir nossos corações batendo.
A noite pareceu levar séculos para passar, apesar de não dormir, minhas forças voltaram consideravelmente pela manhã, não havia sinais dos vampiros e eu pude me dedicar melhor em estudar o nosso estranho e misterioso salvador cujo rosto agora era iluminado pelos primeiros raios da aurora.
Era pouco mais que um vagabundo, usava uma roupa justa e escura por baixo de um sobretudo de cor marrom desbotado, calçava botas de cano alto e carregava uma pesada mochila de viagem; não era jovem, talvez já estivesse no auge de seus quase quarenta anos de idade, os cabelos compridos já se desbotavam levemente... tinha um rosto complexo, ele não era escancaradamente belo, mas tampouco feio, tinha um certo charme reservado; era uma beleza lenta e detalhada, uma beleza reflexiva que apenas após um estudo minucioso podia ser compreendida.
Ele percebeu que eu o encarava e seus olhos, de um verde absurdamente brilhante, rapidamente me encararam tomando-me por completa, seus lábios se abriram num meio sorriso enviesado e sua voz levemente rouca e monótona se pronunciou sem medo enquanto o dia rondava à nossa volta.
- Você já readquiriu suas energias?
- Sim, estou melhor... mas quem é você?
- Eu me chamo Ethan...
- Só Ethan? – eu perguntei tentando descobrir o sobrenome.
- Só... – ele respondeu simplesmente.
- O que você usou para espantar os vampiros? – quis saber Lizii desconfiada.
- Uma pequena bomba de fósforo branco... vampiros possuem os sentidos hiperaguçados, sua visão é muitas vezes ampliadas do que a de um humano, uma explosão de luz os desorienta durante horas e horas... obviamente eles podem usar a audição e o olfato pra nos encontrar e por isso resolvi me esconder neste charco fedorento... ele despista nosso próprio cheiro. E com a ajuda da feiticeira... com seu pequeno artifício de ocultamento, pudemos passar incólumes, os vampiros se foram antes do sol nascer.
- Você sabe muito de vampiros, feiticeiras e, principalmente, encantamentos... mas não é um ser mágico... – disse Lizii.
- Claro que não – retrucou sorrindo Ethan – Eu não sou bruxo ou feiticeiro, aquilo que fiz está ligado à química e a estudos científicos... eu sou um Alquimista.
- Ah – eu gemi alto puxando Lizii – Vamos embora... tudo o que não precisamos agora é nos envolver com um Alquimista.
- Mas, o que foi? – perguntou Lizii sem compreender.
- Alquimistas são vagabundos errantes – eu disse sem disfarçar meu desgosto por este povo – Mágicos de araque que ganham dinheiro das pessoas fazendo truques baratos, não são confiáveis e geralmente estão ligados a pequenos delitos... são larápios picaretas.
- Culpado – disse Ethan apontando para si mesmo, o sorriso não desaparecendo de seu rosto – Mas apesar de Alquimista, de vagabundo e de larápio... vocês duas devem suas vidas à mim... e creio que isso já é alguma coisa, afinal, não é todos os dias que um andarilho miserável consegue salvar das garras de um grupo de vampiros um poderosa elfa e uma linda Feiticeira-pura.
- E o que você deseja? – eu perguntei incomodada por ele saber quem éramos – Obviamente espera uma recompensa por seu feito... bem, eu e Lizii estamos profundamente agradecidas por sua ajuda, mas isso não significa que precisamos pagar por isso. Com licença.
E sem qualquer cerimônia, pequei minha mochila e saltei nos galhos inferiores pousando no solo pantanoso, pouco depois Lizii já estava o meu lado mas eu fui obrigada a parar quando percebi que ela não me acompanhou, olhando-a estática ao pé da árvore eu retornei.
- O que foi agora? – perguntei incomodada.
- Nós devemos algo a ele... – ela disse meio encabulada.
- Não devemos...
- Sophia... ele nos salvou, você estava prestes a desfalecer... seríamos mortas.
- Ele é só um aproveitador, Lizii... um palhaço de circo com truque baratos.
- Um truque barato que salvou dois seres mágicos de imenso poder...
- Eu não acredito nisso... – respondi birrenta.
Neste instante, Ethan saltou para o pântano, um sorriso enviesado e malicioso se formando novamente em seus lábios presunçosos, eu realmente não confiava nele, mas, por alguma razão, sua presença me incomodava de um jeito estranho...
- Tudo bem – eu disse impaciente – O que você quer?
- Um beijo... – ele disse me encarando.
- O quê? – perguntei cética.
- Um beijo de uma linda feiticeira.
- Você não tem vergonha? – eu disse meio gritado – Você tem o dobro da minha idade se duvidar... e ainda me pede um beijo? O que foi, além de Alquimista você também é tarado?
- Para sua informação... eu estava brincando – ele falou sério de repente – Além disso, tenho apenas 35 anos de idade, mas as minhas andanças pelo mundo me envelheceram muito rápido e, como eu desconfio que você nunca beijou um homem... achei que estaria te fazendo um outro favor.
- Eu não preciso contar minha vida pessoal a você – retruquei azeda – E não gosto de suas brincadeiras...
- Ah... uma feiticeira sem senso de humor... vocês todas são assim.
- Eu tenho senso de humor... mas não uso com você.
- Que salvou sua vida – disse ele prepotente .
- Você ainda quer retribuir algo a ele? – eu berrei irritada para Lizii que me olhava de forma estranha.
- Façamos assim – disse Ethan – Eu apenas peço que me deixem acompanhá-las até quando eu decidir deixá-las... isso será o preço pelo meio auxílio a vocês. Além disso, apenas beijarei você quando me pedir.
- Eu jamais vou pedir uma coisa dessas a você, e realmente espera que nós confiemos num alquimista... num vagabundo como você?
- Espero sim – disse ele com a maior cara de pau.
- Você não vai concordar com isso, vai? – eu perguntei para Lizii.
- Bem...  – ela começou a falar sem jeito – Nós devemos isso a ele e, bem... os vampiros podem estar soltos pela mata ainda e um auxílio a mais não nos fará falta.
- Ótimo – disse Ethan radiante diante de minha cara de pasma – E para onde estamos indo?
- Litoral... -  disse Lizii – Estamos indo procurar a Mestre das Tradições da Ordem a qual Sophia pertence.
- Marcela Folhemflor? – perguntou Ethan estranhando.
- Ela mesma – respondi.
- Mas imaginei que apenas feiticeiras com 25 anos completos pudessem ir até Marcela.
- Bem, eu vou antes... e agora mesmo – e dito isso, comecei a caminhar com raiva.
- Ah... mocinha – chamou Ethan novamente naquela irritante voz presunçosa – Está indo para o lugar errado, o mar fica para cá...

Eu voltei e passei por eles fuzilando Lizii com o olhar, nem dei atenção ao Alquimista... era só o que me faltava, quando saí de casa nunca imaginei que me aconteceriam tantas aventuras... primeiro salvei uma Elfa da Luz... depois um corvo falante e uma profecia estapafúrdia, em seguida atacada por vampiros e, para piorar tudo, salva por um mendigo metido a mágico.

Agora eu me encaminhava rumo ao mar para encontrar Marcela e tentar compreender um pouco desta minha estranha jornada, meu coração ficou ainda mais em dúvida porque, de alguma forma, eu realmente não confiava em Ethan, detestava aquele sorriso prepotente e odiava a forma como ele me olhava... e, sinceramente, não compreendia porque ele me causava tanta irritação.

Minha mãe tinha razão... não somos capazes de controlar nosso destino.

1 comentários:

Gente o q foi isso um furacão...
o cap mais sombrio q já li...
e o mais ilário tbm...
gente eu odiei a bruxa,mas em comparação amei o Ethan...
as meninas tava mesmo precisando de uma forçinha.
o cap tá lindo demais
parabens e beijos a quem escreveu

Postar um comentário

Não esqueça de comentar, isso incentiva os escritores e também a mim que tento agradar a vocês.