O Beijo e a Reza
A escuridão me envolvia totalmente, eu ouvia o rugido do mar encrespando-se em ondas de espuma branca e etérea... não sabia que horas eram, se noite ou dia e também não consiga abrir os meus olhos; este era o problema de exaurir a minha energia mágica... eu não conseguia nem mesmo mover um músculo e isso já estava me deixando preocupada. Podia ouvir os sons à minha volta e sentia a mão de Lizzi pousada sobre a minha e também a sua preocupação pesada transparecendo através de sua respiração descompassada.
- Como ela está? - perguntou a voz rouca de Ethan.
- Ainda não se recuperou – respondeu Lizzi – Ela consumiu quase toda a sua energia auxiliando aquela sereia... eu temi por sua saúde.
- Isso não foi prudente, ela ainda é muito jovem e seus poderes ainda estão se formando; usá-los de forma irresponsável pode desenvolver seqüelas irreversíveis. E, além disso, assuntos das Wathers deveria ser mantido apenas pelos segredos ocultos do Oceano.
- Foi ela quem pediu ajuda! - exclamou Lizzi em minha defesa.
- Isso não significa nada... vocês foram fazer um favor a uma feiticeira-negra e quase morreram, os vampiros não teriam deixado vocês em paz. Não se pode sair por aí socorrendo todos os seres sobrenaturais que caminham sobre este mundo.
- E não foi o que você fez? – disse Lizzi e eu senti raiva da intromissão de Ethan – Nos auxiliou, duas criaturas sobrenaturais, enfim, não julgue os motivos de Sophia apenas pelo seus atos mas... ela é uma feiticeira-pura e por natureza é bondosa. Eu iria estranhar se ela se recusasse a auxiliar aquela sereia Murgen...
- Vocês duas são muito teimosas – disse Ethan num suspiro irritado e eu senti quando ele deixou o local onde eu repousava.
- Ele está preocupado com você... - disse Lizzi se aproximando de meu rosto – E eu também, então, irmãzinha, tente acordar logo.
Mas eu não despertei, ao invés disso adormeci em minha própria exaustão e sonhei com sonhos ruins e obscuros onde havia gritos e sangue no ar e seres estranhos com olhos rubros e pele de diamante... eu sentia a vontade de despertar mas meu corpo não reagia. Eu lutei contra esta vontade horrenda de deixar o estupor do sono e me levantar sentindo a areia da praia sob meus pés, mas, ainda assim, apesar de toda a minha vontade.... eu não consegui.
E então, na manhã seguinte minha consciência despertou mas eu não consegui abrir os olhos ou mover qualquer músculo de meu corpo permanecendo inteiramente imóvel sob o meu leito... ficaria eu aprisionada para sempre em meu próprio corpo? Ficaria a minha mente vagando nesta escuridão deprimente onde eu apenas podia ouvir, sentir, mas nunca realmente despertar?
E foi assim durante três dias e três noites... até que, finalmente, na madrugada do terceiro dia, quando a noite já dava passagem para a aurora... eu consegui abrir meus olhos; desajeitadamente eu me sentei sobre um colchão de folhas verdes que fora minuciosamente arrumado sobre a areia fofa da praia. Estávamos em meio à floresta que cercava aquela praia e sobre minha cabeça reinava um teto natural de folhas verdes onde os galhos das árvores baixavam quase à altura do chão; Lizzi dormia um sono tranqüilo ao meu lado e eu não quis acordá-la, provavelmente minha amiga ficou preocupada todos estes dias.
Mas eu não podia mais ficar deitada, com um pouco de dificuldade me pus em pé e caminhei até a orla do mar, antes mesmo de deixar a floresta e tocar a areia eu vi a figura esguia e solitária de Ethan parado no limiar da areia úmida e da água salgada olhando para a lua que crescia no céu agigantado-se sobre o mar prateado.
A noite estava clara e eu caminhei vagarosamente até a praia, pouco antes de me aproximar totalmente eu ouvi o riso irônico e irritante de Ethan encher os meus ouvidos... ele falou sem se virar.
- Bom dia, Bela Adormecida...
- Bom dia, Ethan.
- Como está se sentindo? Um pouco pesada ainda?
- Sim, meu corpo todo está dolorido pelos dias que passei sem poder me mover...
- O preço que se paga por ser uma feiticeira boazinha... - ele riu com escárnio.
- Você realmente não consegue ser agradável, não é mesmo, Ethan?
- Você se arrisca demais, Sophia. Muitas pessoas neste mundo não merecem tanta confiança.
- Se fosse assim, eu e Lizzi não deveríamos ter permitido que viesse conosco até aqui.
- Talvez... - disse ele vagamente – Você confiou em Sebastiana e o fez por pura ingenuidade, assim como auxiliou aquela Wather e, como resultado, quase exauriu todo o seu poder e sua vida. Não se deve ser tão leviana com os poderes que tem, menina, principalmente se envolvendo em coisas que não conhece... quando pensa estar ajudando, muitas vezes, apenas está piorando tudo.
- Então, basicamente, você reprova a minha atitude de ter ajudado aquela sereia?
- Você é ingênua demais... - ele disse me olhando de repente com aqueles olhos cinzentos e vívidos.
- Oh, me perdoe se eu não caminhei por este mundo afora como você para conhecer todos os percalços e sutilezas da maldade – respondi sarcástica também – Eu não tenho culpa se decido acreditar nas pessoas ao invés de evitá-las, se começar a fazer isso daqui a pouco tempo vou estar parecida com você... um vagabundo errante envolto em farrapos e truques baratos.
- Verdade – ele falou seriamente – Mas, ao menos estará viva.
- Uma vida sem felicidade não compensa ser vivida... Ethan.
- Olha só! - disse ele surpreso numa voz divertida, quase risonha – A pequena e bela Sophia também possui uma filosofia e sabedoria ocultas... que divertido...
- Não ouse zombar de mim...
- Ora, não estou zombando... é que eu fico imaginando como uma menina que nem ao menos conheceu um homem até hoje, que apenas está aprendendo a controlar seus poderes e que malmente se agüenta em pé depois de exaurir suas forças imprudentemente... pode vir me dizer coisas idiotas sobre a vida.
- Eu não sou ingênua.
- É uma tola... isso sim. Você acha que vai conseguir resolver tudo com sua parca magia e seu rostinho bonito? Ou vai conseguir convencer a todos com sua voz sussurrante e mágica? Eu estou lhe fazendo um favor, Sophia, tentando lhe explicar que o mundo aqui fora é cruel, impiedoso e traiçoeiro.
- O mundo só é ruim através dos olhos de pessoas negativas e desconfiadas, Ethan... a bondade se encontra em todos os lugares em que olhamos, basta procurá-las direito. Mas é perda de tempo esperar que um Alquimista... um mágico de araque compreenda os pormenores da magia, eu vejo o mundo através dos olhos de uma feiticeira e você através dos olhos de um charlatão... obviamente que você vê o mundo como um lugar ruim, afinal, você provavelmente vive através de delitos e de enganar as pessoas e quem muito teme a traição, Ethan, é porque tem alma de traiçoeiro.
Eu me virei para me afastar, Ethan me irritava sempre que conversávamos... ele parecia ter o dom de me tirar do sério. Eu não sei porque me irritava tão facilmente com ele, talvez seja seu aspecto esfarrapado e vagabundo, eu buscava uma resposta para a minha viagem e um sentido na minha existência mágica; Ethan, ao contrário, parecia não buscar nada e não se importar com nada. Ele sempre sustentava um sorriso enviesado no rosto como se achasse tudo o que via um grande absurdo, sua voz era carregada de uma ironia brusca e voluptuosa e seu comportamento errante me enervava.
Como, no fim das contas, um homem chega ao ponto de não acreditar em nada? Como um homem pode viver apenas das andanças deste mundo? Despreocupado com o destino das pessoas, desinteressado pelo brilho das estrelas ou das ondas do mar... como um homem podia ser totalmente indiferente ao sofrimento e às necessidades dos outros? Do que, no fim das contas, vivia Ethan? De onde ele viera?
Mas minha impaciência não me permitia perguntar isso diretamente, o problema é que eu me esqueci que ainda estava muito fraca para simplesmente ficar irritada, e, ao me virar dando as costas a Ethan e sair caminhando pela areia, minha cabeça girou e o mundo sumiu e uma tontura horrível tomou conta de mim... eu fechei os olhos e desabei rumo ao solo.
Foi neste instante que um par de braços fortes impediu que eu me chocasse contra a areia fofa da praia, eu senti a água do mar tocar meu corpo e sua suavidade fria desanuviou minha mente, ao abrir os olhos eu notei Ethan me fitando com seu rosto preocupado. Aquele rosto jovem mas surrado pelo tempo e pelas andanças do mundo, vincado com rugas que não deveriam estar ali... o par de olhos cinzentos e misteriosos que não me revelavam um único grama de sua alma atormentada... o sorriso sarcástico não estava presente.
- Sophia... você está bem? - ele perguntou enquanto coletava com a mão um pouco da água das ondas que molhavam a faixa de areia que nos alcançava e umideceu minha testa, eu senti minhas vestes flutuarem na água que nos cercava rasamente... o céu tingia-se de um azul anil e apenas eu e Ethan estávamos ali. Eu em seus braços vendo o dia nascer, subitamente fui acolhida por um vontade estranha de saber sobre este homem misterioso que se debruçava sobre mim... e, instintivamente, ergui minha mão até tocar seu rosto amargurado.
- O que houve com você, Ethan? De onde vem este mistério que te cerca e esta dor em seu coração?
- Algumas pessoas nascem desta forma – ele respondeu sem tirar os olhos dos meus – Algumas pessoas não gostam do mundo ou das pessoas ou da forma como as pessoas tratam o mundo e umas às outras. Algumas pessoas vêm para o mundo para brilhar e outras para viver na escuridão... eu pertenço às sombras, Sophia, nasci nelas e nelas eu vivo; não há uma explicação para isso, eu não tive pais e permaneci órfão a vida toda. Os truques de charlatanismo que você tanto odeia foram a única forma de me manter vivo nas ruas e no mundo... eu não sou Alquimista porque quis ser um... sou assim por não ter escolha. O que digo não é para ferí-la e sim para tentar alertá-la de que nem sempre o mundo é piedoso conosco.
- Mas você não tem esperança, Ethan?
- Perdi-a há muito, muito tempo
- E porque nos ajudou então? Poderia ter deixado que eu e Lizzi morrêssemos naquela floresta.
- Como eu poderia permitir que algo tão belo quanto você fosse destruída? - disse ele sorrindo – E não pense que falo apenas da perfeição de seu rosto ou das curvas de seu corpo ou mesmo de seus olhos espantosamente brilhantes... brilhantes como a luz da lua. Não, minha bela Sophia, como eu permitiria que vampiros destruíssem a luz que de você emana? Como poderia permitir que um ser tão iluminado fosse apagado por uma violência gratuita?
- Fui isso que te chamou a atenção em mim? - eu perguntei hipnotizada por aquela voz rouca, por aquele olhar perturbado... aquela sensação de tristeza que ele emanava, sua ambígua alma de Alquimista – Minha luz? Ou você apenas viu uma oportunidade de enganar duas garotas indefesas?
- Lizzi não é indefesa – disse ele sorrindo aquele sorriso de dentes perfeitos – Mas não, eu apenas vi você e só depois percebi Lizzi...
- E o que isso significa? - eu perguntei sentindo-me tonta novamente.
- Eu não faço a menor idéia – ele disse e eu o senti se aproximando gradualmente de mim, então fui tomada por um calor estranho que emanava de dentro e que parecia queimar-me num fogo brando... eu ouvia sua respiração perto de meu rosto e as ondas do mar quebrando perto de nós... o sol surgindo e o céu clareando-se apagando as estrelas e iluminando a praia... então eu me afastei de Ethan e me levantei rapidamente sentindo o rosto queimar.
- Já estou melhor, obrigada – eu disse sentindo o meu coração disparar no peito.
- Tem certeza? - perguntou Ethan sem se aproximar.
- Sim... - eu respondi e me virei para olhá-lo, senti meu vestido molhado e ensopado com areia molhada... o vento me alcançou fazendo minha pele se arrepiar.
- Eu iria te contar depois que você estivesse mais recuperada, mas acho que deve saber... encontrei alguém que conhece o caminho até Marcela.
- Você está falando sério? - eu disse surpresa e feliz me aproximando novamente dele.
- Sim... um pescador chamado Gilliat conhece a ilhota onde Marcela habita, assim que você estiver melhor eu a levarei até ele.
- Obrigada, Ethan.
Ele permaneceu na praia olhando o mar e as ondas tingindo a areia, o sol já nascia e lançava sobre o mundo seus braços etéreos de luz; caminhei até a floresta rumando para o lugar onde Lizzi dormia... já era hora de despertá-la.
- Bom dia, irmãzinha – eu disse carinhosamente dando-lhe um beijo no rosto.
- Sophi? - ela gemeu me olhando sonolenta, então arregalou os olhos e me abraçou com força – Sophia... você acordou!
- Sim, e fiquei com pena de acordá-la – eu disse sorrindo afetuosamente.
- Você quase me matou de preocupação... eu não sabia o que fazer, você dormiu durante dias e não dava sinal de vida.
- Eu sei... acho que foi um aviso para eu ter mais cuidado com meus poderes.
- Sim, Ethan ficou falando isso o tempo todo, que você foi descuidada e tudo o mais...
- Bem – eu disse fingindo um desgosto e fiquei surpresa comigo mesma por fingir isso – Ethan é um idiota aproveitador... não ligue muito pra ele.
- Sophi... ele sabe de alguém que conhece o caminho até Marcela – disse Lizzi a meia voz.
- Sim, ele me contou agora a pouco – eu disse me sentindo mais temerosa do que eufórica – Acho que vou vê-la o quanto antes para descobrir o que estou fazendo no meio de toda esta confusão.
- Você acha que ela a receberá?
- Eu não sei Liz... mas tenho que tentar. Cheguei até aqui e não pretendo voltar... não sem uma resposta.
Aquele dia passou e se foi num entardecer rubro e lindo onde o sol avermelhado despejava sua luminosidade incandescente sob as ondas límpidas do mar, as ondas estavam silenciosas e o oceano calmo, parecia reter em si seus próprios segredos. Murgen não me saía da cabeça, seus olhos brilhantes e determinados e seu medo de seguir em frente... não sei ao certo o que ela buscava mas, por alguma razão, sinto que ela corre perigo.
Eu havia decidido partir na manhã seguinte... sozinha. Ethan não se manifestou contra minha decisão, mas Lizzi ficou furiosa e não me permitiu ir sem ela.
- É um absurdo, Sophia – ela gritou colérica – Como você pode pensar em sair sozinha por aí, logo depois de sermos atacadas por vampiros? Eu não vou permitir isso.
- Liz... você não compreende – eu respondi tentando tranqüilizá-la – Não é que eu não queira que você vá junto, mas eu preciso ir sozinha porque Marcela jamais permitirá que alguém, além de uma feiticeira, pise em seus domínios. Nem mesmo eu sei se poderei ser aceita uma vez que ainda não tenho idade para ela me receber... pela contagem das feiticeiras eu ainda sou menor de idade...
- Mas é muito perigoso, Sophia... - ela reclamou implorando.
- Eu sei que é, Liz... mas não temos escolha. Ethan – eu chamei, ele estava encostado numa árvore enrolado em seu sobretudo rasgado e poeirento, olhava para o horizonte pensando em algo que eu jamais poderia saber – Você me mostra o caminho?
- Mostro... quando você pretende partir? - ele perguntou sem desviar o olhar do mar distante.
- Hoje mesmo... antes do sol nascer.
Eu me despedi de Lizzi e ela não compreendeu os motivos pelos quais não pode me seguir, Lizzi era uma mulher prática e uma entidade poderosa que não gostava de ser contrariada, mas eu não menti a ela quando afirmei que somente Feiticeiras poderiam entrar nos domínios de Marcela. Lizzi ficou parada sob as árvores olhando enquanto Ethan e eu nos afastávamos caminhando pela orla do mar, as ondas noturnas revoltando-se em espuma branca e salgada.
Ethan ia silencioso um pouco a minha frente e eu também não tinha nada para conversar, as palavras faltavam-me, eu estava com medo de encarar Marcela... geralmente apenas feiticeiras maiores de idade podiam visitá-la, mas eu espero que minhas súplicas amoleçam o seu coração. Além do mais, Marcela era uma Feiticeira poderosíssima e extremamente sábia e antiga... espero sinceramente que ela consiga me socorrer nas minhas dúvidas.
- Você, alguma vez já viu Marcela? – perguntou de repente Ethan com sua voz profunda.
- Nunca... - respondi desanimada.
- Marcela tem uma beleza ímpar...
- Você já conheceu Marcela? - eu perguntei surpresa.
- Foi a muito tempo, quando eu era menino... órfão na pequena vila de Salarain que fica muito ao Leste daqui. Ela foi evocada durante um eclipse lunar para abençoar as colheitas e eu lembro de vê-la dançando nua à luz do luar em volta de uma fogueira de muitas cores. Foi a visão mais linda que eu até então presenciara e desde aquele momento eu perdi meu coração para as feiticeiras.
- Ah... - eu disse sorrindo agora compreendendo porque ele sempre atirava seu charme pra cima de mim – E você alguma vez conseguiu amar uma feiticeira?
- Sim... uma vez, há muito tempo – ele respondeu amargurado.
- Me permite perguntar o que foi que aconteceu?
- Chamava-se Morianna... e era uma feiticeira linda e ambiciosa, pertencia à Ordem das Feiticeiras da Aurora Rubra, uma Ordem extinta há muito tempo cuja feiticeiras eram orgulhosas, poderosas e, por vezes... obscuras. Você já ouviu falar na Guerra dos Mil Dias, não é mesmo?
- Sim – respondi – Quando o Mago Negro foi derrotado e sua sombra diminuiu e se esgueirou para a Floresta das Trevas no distante leste.
- Eu e Morianna estávamos juntos à cinco anos... era uma mulher esperta, astuta de de muito conhecimento, eu e ela vivíamos em paz em nosso lugarejo distante da cidade quando, numa convocação inesperada, Athelianna, Senhora e Líder da Ordem das Feiticeiras da Aurora Rubra, convocou todas as suas irmãs para se unir ao Mago Negro contra todos os outros feiticeiros e bruxos que haviam sobre o mundo...
- Pelas estrelas! - eu suspirei encarando Ethan – Então... Morianna?
- Ela não teve escolha – ele disse tristemente – E partiu junto com suas irmãs para a Guerra... nunca mais voltou. Eu nunca fui um ser mágico e então resolvi aprender a arte dos Alquimistas para tentar encontrá-la, fora um ladrão quando criança e tinha as manhas necessárias, assim, durante três anos eu estudei até aperfeiçoar meus conhecimentos e parti em busca de minha amada. Finalmente, depois de andar durante alguns anos, descobri que uma parcela das feiticeiras da Aurora Rubra estavam escondidas num pântano traiçoeiro no norte gelado... lá eu caminhei nas dunas de gelo até encontrar minha Morianna.
- Você a encontrou?
- Sim... mas ela estava irreconhecível. Seus olhos antes doces estavam sedentos numa loucura desvairada e ela não me quis ouvir, dizia que todos ainda queimariam numa chama eterna quando o Mago Negro novamente ressurgisse... e quando eu tentei força-la a voltar comigo. Ela me amaldiçoou.
- O quê? - eu arfei de susto – Como?
- Infelizmente... eu não posso contar. As palavras não sairiam de minha boca.
- Mas, Ethan... eu preciso saber... talvez eu possa desfazer a maldição...
- Não, minha doce Sophia... não há como eu ser liberto deste mal. Mesmo Marcela não poderia me libertar... eu sou um homem amaldiçoado por uma feiticeira rubra e não há nada que se possa fazer. Fui condenado a caminhar sobre este mundo como um vagabundo errante, sempre estropiado e esfarrapado e sem nunca encontrar um lugar para descansar... me tornei um homem errante e continuarei assim até terminar os meus dias.
- Mas você a amava – eu disse chocada – Ela o amava... como ela pode fazer isso?
- Morianna passou muito tempo com as Feiticeiras Negras e com Magos das Sombras... tudo em que ela acreditava e amava foi-lhe extirpado sobrando apenas o ódio e o desejo pela dominação de tudo... da Magia Suprema. Quando eu a encontrei... não reconheci a mulher que amava, mas uma criatura fria e sombria, retorcida e desfigurada pelo ódio... corrompida e obscura que apenas cobiçava com as sombras e a destruição. Quando tentei trazê-la novamente para mim... ela quase me destruiu, eu não tinha poder para impedí-la e, por sorte, ela apenas me amaldiçoou... poderia ter me matado se quisesse mas não o fez... provavelmente considerou que a maldição fosse uma pena maior que a morte.
- O que aconteceu com ela?
- Não sei... ouvi dizer que ela morreu depois que boa parte das Feiticeiras Rubras foram extintas, mas eu nunca soube se é verdade ou não; talvez seja. No fim, eu não me importo mais... foi a muito tempo e meu amor assim como Morianna não existem mais.
- Ethan – eu disse me aproximando dele – Eu sinto muito... sinto tanto. Não sei o que fazer... eu nem ao menos consigo compreender a sua solidão ou ao fardo que lhe foi imposto... nunca encontrar paz onde quer que vá.
- Eu já estou acostumado a este peso, Sophia – ele disse baixando aqueles olhos cinzentos e tristes para mim, havia dor em seu rosto... mas, estranhamente, era uma dor além daquela dor, como se algo mais o atormentasse.
- Mas, Ethan – eu falei sentindo-me aproximar dele, sem perceber, colhi seu rosto entre minhas mãos e o olhei com uma intensidade além do normal, eu não sabia ao certo o que fazia, mas tudo o que desejei neste momento foi tirar toda aquela dor de Ethan – Você não pode continuar assim... não é justo, ser aprisionado desta forma, ainda mais por uma mulher que você amou.
- É o que o amor faz às vezes... Sophia... ele te destrói ao invés de te salvar.
Por alguma razão eu não desviei o olhar... por alguma razão não pude me afastar; havia algo no ar, algo que até então eu não havia detectado, como uma força magnética que descia da atmosfera e prendia meu olhar ao de Ethan; não havia nada entre eu e ele. Mesmo o som das ondas do mar quebrando eternamente na areia desapareceu. Eu me prendia naqueles olhos prateados e dolorosamente tristes... aquele Ethan espertalhão e tinhoso, charlatão e charmoso ladrão havia desaparecido, restando apenas o homem que se tornara um Alquimista para correr atrás da mulher que amava e que, no fim, fora amaldiçoado há vagar pelo resto da vida sozinho e perdido.
- Porque me pediu um beijo... aquela vez? - eu perguntei sem compreender o porque perguntava.
- Há muitos anos eu não ficava na presença de uma Feiticeira... e você me lembrou o que um dia foi a mulher que amei; os olhos brilhantes, a aura de magia-pura, a delicadeza de seu pele... seu temperamento irascível, por um segundo eu desejei tê-la para mim. Acho que fui fadado a me apaixonar por Feiticeiras – ele respondeu não desviando os olhos de mim.
- Então o que o atraiu foi uma lembrança?
- Não... foi você – e então ele se aproximou mais e tocou meus lábios com os seus.
Eu nunca fui beijada antes. Então a sensação foi doce como o orvalho da manhã, os lábios de Ethan tocaram os meus com delicadeza e maestria... eu nunca me apaixonara antes, seria difícil não acontecer agora. Não havia motivos para eu me apaixonar por Ethan... ele era um homem amargurado e perdido, misterioso e improvável, sua beleza era oculta pelos anos que sofrera nas intempéries do tempo; era mais velho que eu e a maldição que o perseguia o tornava ainda mais velho. Sem contar das complicações inimagináveis de amar um homem amaldiçoado.
Então porque Ethan me atraía tanto? O que ele tinha que fazia meu coração pular? Ele me irritava e sempre tinha uma palavra para me contrariar... seria isso o amor? Um sentimento arredio e sem qualquer explicação... sem qualquer racionalidade... sem qualquer controle?
Mas eu não resisti ao beijo e tampouco me afastei, ao contrário, abracei Ethan em toda a sua maltrapilha aparência e o apertei contra mim fazendo o possível para que ele não se afastasse... mas, depois de um tempo incalculável, ele se desprendeu de mim e se afastou pra longe em direção ao mar até que as ondas tomaram-no pela cintura. Eu o segui até que a água cobriu meus joelhos e meu vestido longo se inflou com o líquido revolto sob mim... a espuma das ondas chegavam sem força e eu senti a água gelada como um choque revigorante me atirando novamente para a realidade.
- Ethan? – eu chamei baixinho.
- Eu sinto muito, Sophia... não pude me conter, há anos eu não colocava os olhos em um menina tão linda e acabei cedendo ao impulso de beijá-la.
- Eu permiti que você me beijasse... - eu disse me aproximando.
- Mas é errado... eu sou um amaldiçoado, um Alquimista... sou um vagabundo e não tenho o direito de seduzi-la como se eu fosse um homem de bem. O melhor que você tem a fazer é se afastar de mim, Sophia... o mais longe possível.
- Mas eu não quero me afastar de você, Ethan... por uma razão que eu desconheço. Nestes poucos dias que passamos juntos eu simplesmente não conseguia desviar a minha atenção de você, mesmo que os seus modos me irritem eu não consigo... e agora, depois de tudo o que eu soube... eu não quero que você fique longe.
- Eu não sou um homem bom... Sophia.
- Você sofreu demais... é só isso – eu insisti me aproximando mais até abraçá-lo ali, onde as ondas eram calmas e o som do mar suave e melodioso.
- Você não entende, Sophia... isso não é certo.
- Pare de dizer isso... eu não sei o que isso significa, mas eu realmente quero ficar perto de você.
- Olhe... lá está ele – disse Ethan de repente olhando para o mar.
E lá... no distante oceano vinha para nossa direção um pequeno barco, quase uma chalana, conduzida discretamente por entre as ondas do mar, lançava-se serenamente por entre as vagas e a espuma, sempre seguindo em nossa direção. Parecia um barco simples e velho... parecia uma visão espectral oriunda de um mundo de sonhos, um pequeno e misterioso barco que aflorava do nada como se tivesse vindo diretamente das profundezas do mar... aquela pequena embarcação prendeu a minha atenção e me deu calafrios e neste instante senti a mão de Ethan apertar a minha.
- Chegou o momento – disse ele – Aquele é Gilliat... o Barqueiro.
- Gilliat? Ele me levará até Marcela? - eu perguntei subitamente com medo.
- Sim... agora você seguirá com ele, como você mesma disse, é algo que deve fazer sozinha.
- Agora que chegou a hora... - eu suspirei agarrada a Ethan enquanto o barqueiro vagarosamente se aproximava – eu tenho medo.
- É prudente ter medo... agora vá, menina. Vá ao encontro do seu destino.
Ethan me conduziu até que a água chegou à altura da minha cintura e com uma força e agilidades surpreendentes que eu jamais imaginei que ele possuía, ergueu-me à bordo do pequeno barco assim que ele emparelhou conosco. Inicialmente eu nem ao menos lancei um olhar ao barqueiro e minha mão continuou agarrada à de Ethan... este estranho homem por quem meu coração agora se inclinava.
Mas eu senti quando o barqueiro começou a novamente agitar os remos atrás de mim e eu me separei de Ethan, ele me acompanhou com seu olhar triste enquanto o sol magnífico explodia em luz no céu lançando faíscas de luz pela água... eu o observei ficar cada vez mais distante, ali, parado no meio das ondas do mar.
- Esteja aqui quando eu voltar... - eu gritei para ele.
- Uma parte de mim estará – ele gritou de volta e minha pele arrepiou-se com o sentido enigmático com que a frase soou.
Quando finalmente a turbulência da rebentação terminou e o barco afastou-se ainda mais rumo ao mar aberto... a figura distante de Ethan desapareceu como um toque de mágica; eu ainda permaneci na proa do barquinho olhando para a orla da praia que se distanciava ainda mais... agora eu estava cada vez mais longe de Lizzi e Ethan...
- Você está apaixonada... não é mesmo? - soou de repente a voz do barqueiro atrás de mim, tinha um tom brando e gentil e um timbre arrebatador e entoante... eu então me voltei surpresa para o velho que sentava no barco.
Era um homem de cabelos e barbas brancas como a espuma do mar, seus braços magros remavam num rítimo constante e lento... vestia roupas bastante puídas e seus lábios cintilavam num sorriso de dentes perfeitos, entretanto, quando me olhou, eu notei que seus olhos eram estranhos... tinham uma tonalidade leitosa e vítria: um homem cego.
- Eu não preciso enxergar para descobrir certas coisas – ele tornou a falar como se lesse meu pensamento.
- Desculpe... eu não compreendi o que o senhor quis dizer – respondi um pouco atônita.
- Paixão, minha querida... eu acho que você está apaixonada.
- Por que pensa isso?
- Ah... - riu o velho Gilliat – O amor é algo que exala das pessoas como o aroma de uma flor... você está exalando este perfume doce desde que entrou em meu barco.
- Eu não sei se estou apaixonada – eu disse pensativa.
- Ora, não se preocupe... você descobrirá em breve. É uma feiticeira, não é mesmo?
- Sim – respondi feliz pelo barqueiro ter mudado de assunto – Como sabe disso também?
- Apenas Feiticeiras poderiam ter evocado o meu barco... mesmo sem palavras... apenas pela vontade e, além disso, você tem a voz de uma feiticeira. Diga-me, a qual ordem pertence?
- A Ordem das Feiticeiras Puras....
- Verdade? - espantou-se o velho franzindo o cenho em estranheza – Que interessante... muito interessante.
- Desculpe, mas o que é interessante?
- Nada, minha querida... nada.
- Eu gostaria de saber.... - eu insisti um pouco desconfortável com a reação do velho.
- Bem, se insiste – ele respondeu dando de ombros – É que pelo que me consta... resta apenas uma Feiticeira Pura ainda viva...justamente aquela para a qual agora eu a levo.
- Bobagem – eu disse rapidamente – Marcela é a Mestre da minha Ordem... obviamente ela não é a única feiticeira-pura que existe.
- Por isso achei interessante, mas o que sei eu? - disse ele cortesmente – Sou apenas um velho barqueiro que conduz aqueles que desejam os conhecimentos de Marcela... apenas um homem cego que rema através das ondas e que conversa com os peixes e com o mar. Perdoe o velho Gilliat... provavelmente ele está velho demais e suas lembranças já estão confusas e perdidas.
Mas, por alguma razão, eu não fiquei tranqüila com as palavras do velho barqueiro... meu coração pressentiu algo ruim pairando próximo a mim como uma nuvem escura e densa que encobre o sol não permitindo que a luminosidade me aqueça.
E por horas o barqueiro remou incansável por sobre a superfície do mar... remou e remou em silêncio muito além de qualquer lugar que eu até então havia ido, remou para ainda mais longe de minha pequena cidade e de meus pais... remou para longe de Lizzi e de Ethan... talvez... para longe de mim mesma.
Então, o sol iniciou a sua descida para o horizonte... mas antes do aro gigantesco tocar a linha do mar divisor, uma pequena e singela ilhota surgiu do nada em nossa frente coberta numa bruma etérea e estranha que provavelmente era ocasionada por magia. O barqueiro enveredou a canoa para aqueles lados até emparelhar com um pequeno pier que assomava-se torto numa enseada solitária que abria-se na praia de areias alvas.
- Vá... eu a estarei esperando aqui – disse Gilliat para mim.
Eu hesitei apenas alguns segundos, o medo se instalou em mim... mas eu já estava ali e não voltaria atrás e, além disso, não queria parecer uma menina assustada diante de Marcela; assim, sem mais delongas eu me ergui em meu cansaço de viagem e segui pelo pier até uma praia fresca e iluminada onde as ondas da maré eram brilhantes e estranhas.
Eu segui por seguir... segui sem rumo determinado pois sabia que encontraria Marcela assim que ela estivesse pronta a me receber, mas eu temia aquele lugar mágico... grande poder emanava das árvores altas e esguias, assim como das rochas, da areia da praia, da bruma estranha e fria, os animais noturnos que já deixavam suas tocas... eu temia o que encontraria... temia que Marcela não me recebesse.
Assim, acabei me sentindo perdida e sozinha e me embrenhando na mata eu encontrei um pequeno lago natural com uma cascata caudalosa e estridente... mas nem a beleza súbita foi capaz de me fazer sentir melhor. E ali... perdida e abandonada eu chorei. Chorei pela minha tristeza, pela ausência de meus pais e de Lizzi... chorei pelas repostas que eu não tinha e por não compreender o sentimento que eu agora nutria por Ethan; e desamparada eu rezei, rezei às estrelas e ao brilho da lua para que uma luz me iluminasse e me salvasse e foi assim que Marcela me encontrou.
Eu estava de olhos fechados e sentada sobre uma pedra enquanto as lágrimas corriam pela minha face... e então ouvi uma voz melodiosa e doce, mas não uma voz como a minha... não era hipnotizante e insinuadora, era alegre como uma chuva de primavera e reconfortante como o primeiro raio de sol de uma manhã clara.
- Por que está chorando, minha menina? - disse a voz a minha frente.
E ao abrir meus olhos eu tive a visão mais fantástica de minha vida... uma visão que chegou a superar até mesmo a primeira vez que contemplei a forma verdadeira de Lizzi. Uma mulher de cabelos prateados como a luz das estrelas me olhava com seus olhos igualmente prateados e brilhantes, suas mãos delicadas estavam adornadas com correntes de folhas de hortelã e seu sorriso era bondoso e perfeito. Tinha o rosto estranhamente belo e antigo, o nariz aquilino lhe dava um ar atrevido... quase maroto; era alta e esguia e vestia um vestido leve de feiticeira, um vestido quase transparente azul claro como a lua cheia e ela mais parecia uma fada que uma feiticeira.
Em sua testa repousava claramente a marca de uma estrela de sete pontas.
- Marcela?! - eu falei surpresa e sem reação alguma, ela flutuou até mim por sobre o lago e sentou-se ao meu lado me olhando com interesse e estranheza.
- Qual é o seu nome? - ela perguntou levemente com sua voz farfalhante.
- Eu sou Sophia Derderut Luzdaurora, minha senhora... por favor me perdoe por vir sem ter idade mas eu preciso desesperadamente de sua sabedoria e seus conselhos.
- E por que veio até mim, pequena Sophia? - perguntou ela estranhando e olhando para o símbolo da lua crescente em minha testa.
- Por que a senhora é a Mestre da minha Ordem... e eu parti de minha casa por causa de um chamado silencioso que não consigo compreender...
- Oh... minha querida – disse ela e havia tristeza em sua face linda – Eu sinto lhe dizer... mas você está terrivelmente enganada, veio ao lugar errado e à Mestre errada.
- Eu... não entendo, a senhora é Marcela Folhaemflor... a Mestre da Ordem das Feiticeiras Puras... não é mesmo?
- De fato, Sophia... eu sou Marcela e sou a Mestre da Ordem das Feiticeiras Puras, mas, infelizmente... sou a única Feiticeira Pura que existe. A única que restou de minha Ordem, a única sobrevivente de dias antigos e tristes onde todas as minhas irmãs foram dizimadas durante o ataque do Mago Negro.
- Mas, minha senhora – eu disse não compreendendo – Eu sou uma Feiticeira Pura.
- Criança... - ela disse me olhando com severidade – Olha para minha fronte e diga-me o que vê? Não é uma estrela de Seis Pontas? Esta estrela é chamada de Dahuman e é o símbolo das Feiticeiras Puras, cada símbolo que surge na fronte de cada feiticeira denomina sua linhagem e sua Ordem... todas as Feiticeiras Puras possuem a Estrela de Seis Pontas, mas você, minha querida, não possui, não é mesmo?
- Não... - eu sussurrei perdida – Tenho uma Lua Crescente... assim como meus pais.
- Seu pais?
- Sim... minha mãe é Melina, discípula de Sebastiana e meu pai é Mordred, um Bruxo da Aurora, discípulo de Eucarion da Caverna Cintilante... os dois possuem a Lua Crescente.
- Mas minha querida – disse Marcela cada vez mais triste – Mesmo que houvessem mais Feiticeiras Puras... apenas mulheres são agraciadas como Dahuman, não há homens em nossa Ordem, entende? E, além disso, também os Bruxos da Ordem da Aurora estão extintos.
- Mas, como meu pai possuí a marca? - eu insisti cada vez mais desesperada.
- Porque você, assim como seus pais, Sophia... pertencem à outra Ordem.
- Outra Ordem? - perguntei surpresa e quando Marcela não me respondeu meu medo apenas aumentou – Marcela, por favor... se não sou uma Feiticeira Pura... a qual Ordem eu pertenço?
- Minha querida menina... meu coração se parte de ser eu a lhe dar esta notícia – ela falou e seus olhos destacavam uma tristeza imensa – Mas você é uma Fúria da Noite.
- O que isso significa? - eu disse me erguendo de repente e caminhando para longe dela.
- A Lua Crescente em sua testa é chamada de Riosey, a Lua da Ira, todas as Feiticeiras e Feiticeiros que possuem esta marca são chamados de Fúria da Noite pois, infelizmente, sua magia é oriunda da parte negra e oculta da lua... foram as Fúrias da Noite que primeiro se uniram ao Mago Negro durante a Guerra dos Mil Dias.
- Não... - eu balbuciei – Isso é impossível, eu fui adotada por dois Magos da Ordem Pura de Dahuman... fui discípula de Morgana e fui treinada nas artes puras... eu não entendo o que está dizendo, talvez eu tenha vindo ao lugar errado e talvez você não seja Marcela.
Mas ela se ergueu do chão em todo o seu esplendor e foi algo terrível de se ver, a magia emanava de seu corpo e seu olhar, apesar de triste, era austero.
- Escute-me, pequena criança – ela falou e sua voz era profunda – Eu sou Marcela Folhaemflor, a última remanescente da Ordem das Feiteiras Puras; quando vi a marca em sua testa eu poderia tê-la destruído pois sua Ordem é uma Ordem maldita. Mas pressenti que em seu coração não existia maldade e resolvi lhe escutar. Mas agora ouça com cuidado tudo o que direi.
Vós sois uma Feiticeira de Riosey, a Ordem das Fúrias da Noite, uma Ordem de Feiticeiras e Bruxos das trevas que deturpam os conhecimentos milenares e que decompõem a sabedoria milenar da Magia, sinto ser eu a lhe informar isso porque, pelo visto, todas as pessoas em que você confiou até hoje... estavam mentindo.
- Mas eu possuo a Voz das Feiticeiras – eu falei rapidamente.
- Sophia – disse ela e sua ira se abrandou e ela me olhou novamente com delicadeza – Você percebe a diferença entre a minha voz e a sua? Minha voz causa tranqüilidade e reconforto, agora, a sua, causa uma melodia hipnótica e perigosa que torna todos escravos de sua vontade não é mesmo?
- Eu converso com os elementos... - eu insisti desconsiderando a verdade inabalável da resposta anterior.
- Alguma vez você já invocou a força da Mãe-terra? - perguntou Sophia baixinho e eu percebi que naquele momento ela lia minhas lembranças e eu me lembrei da imensa árvore que despertou sob meus comandos quando fomos atacadas por vampiros... uma força descomunal e assustadoramente...
- Devastadora – disse Marcela completando o meu pensamento – Justamente, criança... essa era a força das Fúrias da Noite, são capazes de criar furacões com o vento, terremotos com a terra... tempestade com as nuvens... e quando invocam a ajuda da Mãe-terra, esta se revela violenta e alterada como quando você despertou o espirito repousado da grande Sequóia.
- Mas meus pais...eu não posso acreditar...
- Eu sinto muito... - ela disse tristemente.
- Então eu sou uma feiticeira das trevas? - perguntei desolada.
- Apenas seu coração lhe dirá, criança... mas o coração define a Feiticeira, se você quiser ser uma feiticeira das trevas você será... assim como será uma feiticeira da luz se desejar.
- Por que todos mentiram para mim?
- Isso eu não saberia lhe responder, Sophia.
- Bem que o corvo mensageiro avisou-me de que coisas ruins estavam para acontecer.
- O corvo mensageiro? - perguntou Marcela rapidamente – Você invocou um mensageiro e um corvo veio lhe ver?
- Sim...
- O Corvo só pode ser invocado por feiticeiros de grande poder... feiticeiros das trevas... o último grande feiticeiro negro era chamado de Rei Corvo... ou de Mago Negro e era o senhor dos Corvos e foi ele quem destruiu a minha Ordem e quase lançou o mundo em trevas...
- Mas... o que isso significa?
- O que o Corvo lhe revelou?
- Que eu teria dificuldades e que eu teria que escolher entre luz e sombra, salvar ou destruir... bem e mal.
- Só isso? - perguntou Marcela.
- Isso... e despediu-se de mim referindo-se a um tal Cagliostro... que nunca ouvi falar.
- O que ele disse sobre Cagliostro, Sophia? – perguntou Marcela de repente falando com medo e sua expressão me assustou.
- Ele... ele... - eu gaguejei ante o comportamento anormal de Marcela – O corvo se despediu de mim … disse apenas “Adeus, filha de Cagliostro... o que há de errado com isso?
- Cagliostro – falou Marcela e agora havia horror em seu rosto, ela se afastou de mim entrando com seu vestido etéreo dentro do lago e olhava-me com receio – Cagliostro foi o próprio Rei Corvo... o próprio Mago Negro, aquele que quase destruiu a Magia e o mundo Mágico... e você, Sophia, é filha dele.
Não houve uma compreensão imediata do que Marcela me disse... não havia nexo ou sentido em suas palavras ou no que ela me revelou em tão pouco tempo, entretanto, apesar de meu cérebro estar entorpecido, meu coração me dizia que algo maligno cercava o meu destino.
Então, no fim de tudo, eu não era quer eu achava ser... acabei percebendo que a força que me impulsionou a sair de casa não era a vontade dos conhecimentos de Marcela, vim até ela para descobrir quem eu sou na verdade. Mas por que meus pais mentiram para mim? Por que me adotaram a tantos anos e me enganaram dizendo que éramos Feiticeiras Puras quando, na realidade, pertencemos à uma casta maldita de feiticeiras adeptas da magia negra?
E o que isso significava? Eu era má por nascimento? Nasci uma feiticeira da Lua? Nasci uma Fúria da Noite?
E a revelação sobre Cagliostro? O Mago Negro que quase levou a Magia à extinção muitos anos atrás... eu era realmente filha dele? Filha do Feiticeiro Negro mais poderoso que existiu? Filha do Rei Corvo... arauto dos maus agouros?
Então senti minha visão turvar e meus sentidos falharem... e com meu coração ferido, enganado e confuso eu senti as sombras me abraçarem e o frio penetrar em minha alma solitária... Lizzi não estava ali para me salvar. Eu caí e o mundo desapareceu...
Minhas forças haviam se exaurido... novamente.
1 comentários:
OMG!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Gente porque fazer a pobre sofrer tanto?
e o q aconteceu com ela?
Então se ela quiser ela será má?
respostas,respostas,respostas,respostas....................
perguntas,perguntas,sem respostas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
essa é sem duvida nenhuma a melhor fic que eu leio;;;;;;;;;
meninas parabens pela historia incrivel e inacreditavel
beijusss
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