29 de jul. de 2010

Capitulo 32

Posted by sandry costa On 7/29/2010 No comments


O Destino dos Gêmeos
Jane
Alec me beijou na testa, delicado como sempre fora. Aquele beijo me fez lembrar do garotinho magricela que gostava de brincar com soldadinhos de madeira, enterrando-os em montinhos de terra feitos no chão de nossa casa. Sempre nos beijávamos na testa quando víamos o outro sofrer, era a maneira secreta que escolhemos para dizer um ao outro: está tudo bem, eu sempre estarei aqui por você. Mas isso não era mais verdade, ele me abandonou, de todas as pessoas nesse mundo de humanos idiotas, Alec sempre foi a única pessoa que eu jamais pensei que me deixaria. Desde sempre fomos apenas nós. O mundo nos abandonou. Felizmente, dos dias obscuros em que eu ainda era um ser fraco e inútil, eu pouco me lembro.
Lembro-me da pobreza, da miséria que nos rodeava e na qual nascemos e fomos criados. Lembro-me da pobre mulher que nos deu a luz. Ela vendia chás e remédios caseiros para as mulheres do vilarejo, ás vezes trocava seus serviços de vidente por comida, qualquer coisa que pudesse empurrar goela abaixo de seus gêmeos sem pai. Mas não há muito de que eu me lembre sobre ela, nem mesmo seu nome ou seu rosto sobreviveram ao tempo e aos séculos que já vivi. Mas há uma coisa que eu jamais esquecerei, algo que regeu minha vida desde o primeiro momento de minha imortalidade, o dia em que Aro me deu forças para vencer todo o sofrimento pelo qual eu e meu irmão fomos obrigados a passar.
Essa lembrança, essa única e derradeira lembrança, sobreviveu em mim como uma chama, consumindo constantemente partes infindáveis de mim. Um ódio maciço por tudo que é fraco e inferior, como a raça humana. Baratas nojentas que se proliferam na ignorância, chafurdando em prazeres fúteis e mentalidades retardadas. Eles não entendem nada, nunca entenderam… Nem quase duzentos mil anos foram suficientes para que essa espécie evoluísse, e nesses três séculos que tenho vivido, eles apenas deram voltas ao redor de seus próprios pés. Eu me lembrarei por todos os anos que eu viver do quão podre a raça humana é, e das coisas hediondas que são capazes de fazer, como queimar mulheres e crianças na fogueira, acusando-as de bruxaria e pactos com demônios imaginados por suas mentes pequenas. Pois bem, eu sobrevivi à fogueira, e me tornei o verdadeiro demônio que eles tanto temem. Hoje eu me alimento do sangue deles, a única coisa valiosa dentro de seus corpos frágeis. De qualquer forma, de uma coisa eles tinham razão. Deviam ter me queimado naquela fogueira maldita, por que hoje, quem os queima sou eu.
Aro sempre disse que eu era única, uma jóia preciosa em meio a pedras falsamente brilhantes. Ele ensinou à mim e a meu irmão tudo que precisávamos saber para sobreviver nesse mundo de feras, onde as ovelhas governam e onde seres como nós, têm que viver nas sombras de suas superstições e mitos. E eu aprendi tudo. Eu bebia as palavras de Aro como hoje bebo o sangue quente e viscoso de algum pobre mortal. Sentia-me profundamente feliz com o encantamento que via jorrar dos olhos dele toda vez que olhava para mim e para Alec, um júbilo de pai, de tutor, de mestre...
Não tínhamos nem bem feito dezessete anos quando Aro nos mudou. Foi preciso adiantar nossa transformação, os tempos eram difíceis naquela época, e Aro precisava de nós para triunfar sobre o governo ineficaz de Marcus e as atrocidades de seu filho bastardo, Willian. Quando Dídime foi assassinada pelo bastardinho, eu e Alec tínhamos pouco menos de um ano de imortalidade e mesmo tão inexperientes, fomos decisivos para a tomada do poder das mãos fracas de Marcus. Aro ficou extasiado com nosso poder, ainda mais satisfeito do que ficara na primeira vez que nos viu, ainda frágeis crianças órfãs, em nosso vilarejo longínquo, onde castigávamos as crianças que não nos deixavam brincar de pique - esconde e onde, ás vezes, fazíamos truques para impressionar turistas em troca de alguma guloseima. Foi assim que Aro nos conheceu...
Ele passava com a comitiva Volturi por um caminho tortuoso, quando eu e Alec atravessamos na frente dos cavalos, correndo desesperados dos garotos que queriam nos apedrejar. Uma das pedras acertou minha testa de raspão, abrindo um corte dolorido em minha pele. Alec ficou furioso. Ele se voltou contra os meninos e os encarou com os olhinhos azuis fulminantes de ódio. Um a um os garotos caíam na grama, rolavam e gritavam com as mãos nos olhos, inertes e desesperados. Os poderes de Alec nunca tinham se manifestado daquela forma tão maciça e raivosa. Em geral eram truques bobos e na maioria das vezes era preciso que ele tocasse as pessoas para fazê-las ter rápidos lapsos de visão ou uma surdez momentânea, mas naquele dia, tomado de raiva e desejo de vingança, Alec manifestou um poder grandioso.
E Aro assistiu a tudo, e quando Alec liberou os garotos que correram desesperados de volta a vila, Aro veio até nós, e o interesse súbito de um nobre por duas crianças órfãs e sujas como nós, nos conquistou de imediato, nós que sempre fomos visto como lixo.
Naquela tarde, Aro dispensou a guarda, não queria que ninguém soubesse sobre nós. Ele nos levou em seu cavalo até uma bela clareira próxima ao rio, onde havia uma cabana grande e aconchegante, a mais luxuosa que já tínhamos colocado nossos pés descalços. Ele nos alimentou com todo tipo de frutas e pães que mandou trazer da vila, nos vestiu com roupas quentes e disse-nos que ele cuidaria de nós daquele dia em diante. Eu estava tão contente, jamais em minha vida eu me senti tão importante para alguém, tão bem cuidada. Alec fez várias perguntas à Aro, perguntas insolentes e desconfiadas que não alteraram em nada o humor ou a paciência infindável de Aro conosco. Ele perguntava: “por que está fazendo isso? Por quê está nos ajudando?” E Aro respondia pacientemente: “eu apenas desejo que tenham uma infância melhor que a minha, que cresçam saudáveis e se tornem fortes para lutar ao lado da justiça”. Alec adorou aquelas palavras, tomou-as como um mantra, achou-as sinceras e corretas e após aquele dia, seguiu os passos de Aro, tornando-se cada dia mais aplicado em seus ensinamentos.
Duas vezes por semana, Aro ia nos ver, levava-nos presentes, livros, doces que nunca havíamos experimentado, roupas e calçados de fidalgos. Eu esperava a semana toda por ele, contando os dias secretamente.
Tínhamos aulas com professores de diversas matérias nos dias em que ele não vinha, Alec aprendeu muitas lutas, história e política, eu aprendi várias línguas, filosofia, artes... Havia ainda um professor bem peculiar, vindo especialmente do castelo Volturi para nos ensinar a usar e expandir nossos poderes. Ficávamos entretidos em todas essas atividades a maior parte do tempo, e nas horas restantes, quando Alec perdia-se nos livros que Aro trazia para ele, eu ficava só, com meus vestidos dos mais caros tecidos italianos, meus sapatos brilhantes, minhas jóias e fitas de cetim.
Os anos passaram-se depressa, e Alec continuava com suas perguntas intermináveis que sempre tinham um tom de desconfiança. Eu tinha tanto medo que Aro se aborrecesse conosco, que se fatigasse de nós... Mas ele apenas sorria para Alec e respondia qualquer pergunta com naturalidade e atenção. Lembro-me do dia em que Alec o questionou sobre seus olhos, aquilo era um tabu para nós dois, algo que eu não ousava verbalizar, mas Alec certa vez o fez: "Por que tens olhos vermelhos senhor?" Perguntou ele, encarando Aro como se procurasse por um segredo sombrio. Aro então respondeu: “Meus olhos são a marca da minha força, do meu propósito nessa terra. Quando cresceres jovem Alec, também terás olhos como os meus, tu e a adorável Jane.” E sorria, derramando-se em júbilo sobre nós. Eu o sorria de volta e Alec insistia: “E por que nunca ceia conosco senhor?” Eu envergonhava-me com as perguntas dele, Aro dizia: “Já lhe disse, sou diferente de vocês. Mas um dia seremos todos iguais, e viveremos muitos e muitos anos em meu castelo.” Eu sempre quis conhecer o castelo, mas Aro nunca nos levava até lá. Alec o questionou sobre isso também, muitas vezes, mas Aro nos manteve longe do castelo e dos Volturi até os quinze anos. Foi na noite do nosso décimo sétimo aniversário, quando Alec já era um homenzinho feito, e eu, uma jovem esguia e bem educada, que soubemos a verdade sobre nosso tutor. Aro mandou preparar uma ceia farta, nos mandou vestir nossos melhores trajes, e então chegou após o pôr do sol, com sua capa preta esvoaçando na brisa daquela noite de primavera. Quando ele terminou seu discurso, Alec e eu estávamos imóveis, estupefatos.
Bem, naquela noite eu soube para quê havia nascido, eu descobri minha verdadeira vocação e meu inevitável destino nas palavras complexas de Aro. Mas Alec... Meu irmão sempre teve dúvidas sobre nossa natureza. Ele não entendia por que tínhamos poderes, não entendia seu próprio dom, desprezava nosso potencial, não queria explorá-lo. No fundo, Alec sempre quis ser apenas humano, e eu nunca fui capaz de entender isso, por que como humanos nós só tínhamos a miséria e a rejeição por onde quer que passássemos.
Naquela mesma época, os rumores sobre nossa localização já espalhava-se pelo vilarejo. Todos falavam sobre os gêmeos da bruxa, que sobreviviam aos cuidados de um nobre italiano que fez pacto com o demônio. Não demorou muito para quê alguns camponeses supersticiosos encontrassem nossa cabana na floresta, e, algumas noites após a revelação de Aro, nossa casa foi invadida pelos aldeões.
Eu fui arrastada pelos cabelos, minhas roupas finas rasgaram-se na relva alta da floresta. Eu gritava por Alec, mas em meio ao tumulto eu não conseguia encontrá-lo. Acima dos ombros e braços que me carregavam, eu vi nossa cabana queimando. Eu iria morrer antes de receber a imortalidade do meu bondoso senhor, eu iria para fogueira como minha mãe fora anos antes, eu seria queimada viva por causa da ignorância daquele povo miserável. Eu ardia por dentro de medo e ódio, e a minha volta, dezenas de aldeões eram lançados ao chão em convulsões febris. Eles gritavam: “É a bruxa, ela está nos enfeitiçando, queimem-na!” Eu os teria liquidado se fosse capaz de fazer o que faço hoje, mas em minha forma humana, eu não podia fazer muito com meus poderes.
Na praça central havia dois mastros, rodeados por palhas secas e galhos retorcidos. Quando olhei em volta, Alec já estava sendo amarrado na pira, gritei com todas as minhas forças. Alec chutava e esmurrava, mas eram tantos... Fui amarrada também, meus pulsos delicados foram presos bruscamente ao redor do mastro, meus cabelos dourados grudavam-se nas lágrimas amargas que rolavam por meu rosto. Eles gritavam: “Queimem, queimem! Façam os bruxos arder no fogo da justiça divina.” O vilarejo inteiro esperava, os aldeões, ansiosos com o evento especial, gritavam ensandecidos, sorriam satisfeitos diante da nossa morte. Eu não conseguia mais raciocinar, virei meu rosto para Alec, a única família que eu tinha, e ele me olhou também. Naquele momento eu vi nos olhos dele tantas coisas... Eu vi a dor, inúmeras lacunas que jamais foram ou seriam preenchidas, um vazio profundo e desesperado, eu vi que ele não temia a morte, não tanto quanto eu.
Havia paz e quietude nos olhos de meu irmão aquela noite, uma esperança ingênua em algo desconhecido, algo que eu não conseguia compreender de dentro de meu ódio e desprezo por aquelas pessoas. Alec perdoava aqueles vermes que estavam prestes a nos queimar vivos! E isso foi algo que eu nunca esqueci, algo que eu nunca aceitei em meu irmão.
Mesmo depois de Aro nos salvar da fogueira, mesmo anos após nossa transformação, eu nunca fui capaz de digerir essa indolência de Alec com os humanos. Aquele respeito por existências inferiores era incompreensível para mim, como ainda hoje é.

Fanfic escrita por Anna Grey

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