12 de ago. de 2010

Capitulo 37

Posted by sandry costa On 8/12/2010 1 comment


Nuvem Negra

O ar estava tomado por uma densa névoa que não se dispersava, não se movia, apenas tornava-se cada vez mais pesada, mais irrespirável. O cheiro tóxico da cidade que era consumida até sua última casa, enchia meus pulmões, queimava meus olhos. Eu corria, cambaleante, pelas ruas cinzentas e desertas. Meus joelhos tremiam e a fraqueza amolecia cada parte que ainda resistia em mim. A sede era abrasadora, eu nem me lembrava da última vez que senti o sangue quente descer por minha garganta, e embora eu fosse metade humana, hoje, eu me sentia o menos humana possível. A única coisa que ainda me mantinha de pé era ele, aquela última imagem de seu rosto que ficara gravada em minha retina, queimando tanto quanto a sede em minha garganta ressecada. 
Eu perdi muito sangue, perdi muito tempo, contudo, dentre todas essas coisas, o que eu mais temia perder era ele.
O fogo se alastrava depressa pelas ruas, consumindo as casas como um monstro faminto. Benjamin estava fazendo um bom trabalho. Por onde quer que eu passasse, correndo cambaleante pelos escombros, eu podia sentir o cheiro dos corpos queimando e em alguns becos, ainda era possível vislumbrar um par de olhos vermelhos girando nas órbitas no meio das chamas. Eu corria, ignorando a dor crescente em meu corpo, a falta de ar em meus pulmões, e agradecia silenciosamente por não haver mais nenhum humano na cidade, Deus sabe o que eu faria com a sede latejante que eu estava sentindo. Eu ainda não sabia como minha família conseguiu evacuar a cidade sem que a guarda desse conta, sem que os humanos desconfiassem. Sinceramente, todas essas perguntas sem respostas enfraqueciam diante do meu temor maior. Jake, onde você está?
Eu não sabia ao certo onde estava, nem se meus pés iam na direção certa. Eu tentava farejar, seguir o rastro quente dele, mas era quase impossível com toda aquela fumaça sufocante. O desespero me espreitava em cada canto escuro, em cada curva incerta na qual eu chamava por ele sem obter nenhuma resposta. Segui na direção em que o vira pela última vez, se afastando de mim e da dor que eu causava nele. Aqueles olhos escuros me torturavam enquanto eu o procurava naquela cidade morta, eu revia seu rosto vazio, tão diferente do que era, como se a parte quebrada o tivesse modificado profundamente, e tinha medo de encontrar um estranho.
Eu sentia borbulhar dentro de mim, num lugar completamente desconhecido, uma sensação que me assustada. Eu via um abismo me dividir ao meio, tão profundo e desolador que me fazia desconhecer meus próprios sentimentos. Eu estava tão confusa, tão perdida dentro de mim mesma. Tudo que eu queria parecia ser errado, todas as minhas ações eram falhas e não importava para que lado eu corresse, eu sempre magoava alguém. Eu fiz tudo errado desde o começo. Eu nem deveria ter saído de casa primeiramente. Foi um erro mentir para minha família, foi um erro arrastar Jacob para o buraco comigo, agora nós dois estávamos machucados e perdidos dentro de nossos caminhos que nunca levavam a lugar algum. E então, como se a piada em minha vida não fosse suficientemente de mau gosto, eu fui parar bem no centro de uma guerra que deveria ter sido travada há séculos. Uma guerra com tantas ramificações, que parecia mais uma teia viva, prendendo qualquer um que se aproximasse, inclusive eu. Destino sempre foi uma mera palavra para mim, nada mais que uma analogia as coisas que não podemos controlar em nossas vidas, mas agora... Tudo parecia tão confuso. Quando eu olhava para trás e me deixava levar pelo retrocesso de minha vida, eu custava a acreditar que tudo tenha sido um mero acaso construído por acertos, erros, enganos e palavras ditas em horas oportunas.
São opções demais, inúmeras chances, uma margem muito grande de erros para se chamar de acaso, e contudo, aqui estava eu, com toda sujeira em minhas mãos e nenhuma idéia do que fazer. Eu tentava separar as coisas em pilhas, organizar as prioridades em minha mente, mesmo sendo incapaz de desviar meus pensamentos dele, mesmo lutando com o desespero, teimando com o destino que gargalhava na minha cara. Mesmo prestes a desmoronar, eu me esforçava para entender o que estava acontecendo comigo. 
Eu amava Jacob de uma forma instintiva, como se tivesse nascido para isso, como se ele fosse tudo o que eu precisava, tudo sem o qual eu não poderia viver. Eu o amei desde o primeiro momento, de formas distintas, que se transformaram com o tempo, me transformando também, fazendo meu coração amá-lo como irmão e posteriormente como homem. Ele sempre esteve lá por mim, sempre...
Era estranho pensar que, em nossa primeira noite juntos, como dois adultos, como dois amantes, o mesmo Alec que agora confundia todas as minhas certezas, que balançava minhas sólidas estruturas, esteve lá, naquela sala pequena no meio do nada, de onde me roubou de minha família, de Jake e de mim mesma. O que Alec havia feito comigo? A coisa estranha que brotou e cresceu dentro de mim durante os dias em que estive com ele merecia ser chamada de amor? Eu não queria pensar nessa hipótese, e cada vez que, em meus pensamentos mais íntimos, eu confessava para mim mesma que o amava, eu sentia uma ferroada em meu peito, como se tal sentimento me fosse vetado, como se meu coração não aceitasse esse outro amor, que sem pedir licença a ninguém, se alojou dentro de mim de uma forma resoluta. Eu estava perdida...
- Jake! – Chamei, tendo como resposta o eco distante de minha própria voz. Parei por um instante no meio de uma rua estreita, onde o fogo formava um túnel sem saída. Eu não podia prosseguir. Minhas única opção era voltar e tomar outro caminho, mas eu sabia, pelo pouco que consegui rastrear, que Jacob não estava mais ali, não estava em parte alguma.
Caí de joelhos no asfalto coberto de cinzas, minhas mãos afundaram na fuligem negra. Nada... Apenas eu e meus enganos no meio do fogo, apenas minha fraqueza inerte, meus pensamentos turvos. O que eu faria se ele não voltasse? Se ele nunca mais quisesse me ver? O que eu faria sem a esperança que depositei nele, a única fonte da minha resistência.
Eu não conseguia imaginar como seria. Eu nem ao menos tinha uma explicação convincente para dar à ele. Jacob poderia voltar para La Push e me esquecer, por quê nada do que eu dissesse apagaria a cena que ele viu. Eu não me sentia digna do perdão dele.
Uma lágrima silenciosa escorreu por meu rosto e caiu sorrateira em minhas mãos sujas de cinzas. Eu não conseguia sentir meu corpo, era como se minha alma tivesse se desprendido e agora ela me observava de longe, de um lugar distante demais para ser encontrado. Só percebi que estava chorando quando meus soluços quebraram o silencio cadenciado da noite, juntando-se com o estalar furioso do fogo que ardia a minha volta. Enterrada no fundo de minha mente, havia a consciência pálida de que, se eu não me movesse e saísse logo daquele lugar, eu queimaria viva junto com Volterra, 
- JAKE! – Gritei com toda força de minha dor. A sede rugiu como uma fera enjaulada dentro de mim. Eu estava trêmula, fria e quase já não sentia o ar entrar em meus pulmões. 
Eu tinha coragem para morrer ali? Eu estava mentindo para mim mesma quando dizia que não poderia viver sem ele? E Alec...? E minha família...?
Talvez eu estivesse mentindo, esticando a mentira até que ela se parecesse com uma verdade. De fato eu nunca havia pensado na possibilidade de uma vida sem Jacob. Nunca, antes de toda minha vida ser bagunçada dessa forma, eu havia tentado imaginar esse quadro. Contudo, aqui estava eu... desesperada, lívida frente ao fantasma da ausência dele, perdida sem o calor daquele amor que sempre fora meu – indivisível e inquebrável. 
Eu via os rostos familiares se alternarem frente a meus olhos, se acendendo e se apagando como uma lanterna distante, um farol que tentava me guiar de volta pra casa. Mas eu não conseguia, mais que isso... Talvez eu não quisesse voltar para um lugar onde não houvesse ele, o som cálido de sua risada rouca, o cheiro quente que me envolvia e me embalava por completo. Eu queria pensar em meus pais, em Alec, em todos que vieram até aqui por mim, parecia injusto retribuí-los dessa maneira, mas o egoísmo de querer ceder à dor, de não querer mais sentir o que eu estava sentindo, era maior que qualquer anseio altruísta. Existe um momento, quando se está mergulhado em intensa dor física e mental, que sua mente começar a buscar saídas, você só pensa em maneiras de aliviar a dor, de livrar seu corpo daquele tormento que se espalha e se mistura até não se poder ver nada além da morte, até não se desejar nada além da inércia profunda e definitiva. Sim, eu estava sendo terrivelmente egoísta e covarde, eu podia conviver com isso desde que essa dor aliviasse, desde que eu me visse livre do peso esmagador sobre meus ombros. 
Jacob não ia voltar, não do mesmo jeito. Eu o veria de novo, ele ia terminar o que começou aqui esta noite, ia lutar até o último Volturi cair, eu o conhecia bem, certamente ele ficaria. O que eu temia mais, era ver nos olhos dele o sentimento quebrado, a decepção, a acusação muda que refletia minha própria culpa. Eu não suportaria vê-lo me odiar, embora eu não pudesse pedir nada além disso.
Cada pensamento se alternava em minha mente como ecos reverberando num cômodo vazio, chocando-se contra as paredes do meu cérebro, misturando-se ao som fraco do meu coração. Meu corpo tremia, eu tossia, sufocando com a fumaça cinzenta que agora cobria tudo, como um manto de nuvens maciças. Imersos na cortina de fumaça, os sons ritmados das casas desmoronando e do fogo crepitando sobre as árvores enchiam o ar com uma melodia funesta. Tudo desabava a meu redor, tudo cedia ao fogo que em poucos minutos também me alcançaria. Tudo que eu era seria consumido, todos os sentimentos que guardei dentro de mim seriam reduzidos à cinzas, queimando como uma pilha de papel sem importância. 
Eu não queria morrer sob essas condições, não queria esquecer o rosto dele, os momentos felizes com minha família, o cheiro da floresta após a chuva, a cor do céu de Volterra – sim, até esse pequeno detalhe eu queria guardar comigo – mesmo dentro de um pesadelo, aquele era o céu mais bonito que já vira. Todas essas coisas encobertas pela minha agonia vinham à tona agora, e eu só conseguia pensar que elas não poderiam deixar de existir, se eu morresse, eu sei que as perderia para sempre. Memórias que se apagariam junto com a luz de meus olhos. Justo eu, que nasci para ver todas as coisas...
Mas o que eu poderia fazer? O que? Ficar aqui, ajoelhada em meio ao fogo era tudo que eu conseguia fazer. A morte parecia mais assustadora que nunca. Todo meu corpo doía, vazio e gelado. Quase não havia sangue em mim, meus olhos ardiam com a luz alaranjada, o fogo parecia cozinhá-los nas órbitas. Eu queria chorar, lavar minha alma, mas minhas lágrimas subitamente secaram, como se eu mesma estivesse vazia, seca como as folhas de outono.
A noite estava iluminada, a cidade se acendia como uma estrela na escuridão, o céu mais lindo do mundo estava fechado num rubro negro sombrio, pronto para descer cobre Volterra e engoli-la em sua imensidão intransponível. 
Eu observei meu corpo tombar, inerte como um brinquedo sem pilhas, e novamente eu senti que minha alma me encarava de longe. Então é isso, eu pensei... essa é a face de minha morte. Obriguei-me a encará-la sem medo e me entreguei aos braços frios que me rodearam num torpor silencioso. 
Num segundo suspenso no limite da consciência, eu ainda pude ouvir o uivo melancólico de um lobo subir ao céu escuro. 
Fechei os olhos.

Autora Anna Grey

1 comentários:

Anna

Como vc acaba o capitulo assim??!!
Alguém achou ela?
O uivo que ela ouviu, foi do Jake? Ele tá vivo?
Ele tá bem??

Posta rápido!!
Eu vou morrer de tanta ansiedade!!!!


Nany

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